Fragmentos
O dia se foi.
Chega a noite que traz, sem desculpas,
o encanto da lua. Um presente, dirá o poeta,
Mas traz também impossibilidades
que se concretizam nas incertezas
do que será o amanhã.
Talvez, sem que disso se tire qualquer conclusão,
o amanhã esteja no pote de ouro ao fim do arco-íris, ou,
para deleite e alegria da plateia no espetáculo geral,
esteja na pequenina fagulha de sol. Uma possibilidade, dirá o terapeuta que ignora os lamentos do paciente ávido por respostas satisfatórias.
Considerada nossa feliz incapacidade de prever o devir, o amanhã é apenas, e nada mais, um porvir descontrolado. Um acaso oferecido em nome de alguma dádiva grega que o tempo conservou?
Eis uma questão
Tão logo o corpo parece cambalear exaurido de reminiscências, tudo se avoluma, tudo se reconfigura como se não houvesse amanhã. Destroços não reciclados, diria o sábio ancião que partiu como chegou; sem ninguém ver.
O dia se foi.
Chega a noite que traz, sem desculpas,
o encanto da lua. Um presente, dirá o poeta.
Assim, meus caros, dirá o anunciador das boas novas (ou velhas, talvez), cá estamos todos, jogados, feitos bóias ao mar, sem o vislumbre de que algo nos sirva de anteparo, de consolo, sem o mínimo de apoio que possa nos salvar. E caminhamos. Caminhamos perdidos , como crianças soltas no meio da multidão que trafega em passos frenéticos e cega a tudo que se passado derredor. Silenciosas criaturas de pálidos rostos, de sorrisos esquecidos, epidermes opacas! Eis o quadro.
Cansado, exausto de humanidade, o vendedor de flores, recém desapaixonado, sofre a dor calada do amante traído. Não sabe o significado da palavra contágio, porém, teme por algo que desconhece, mas sabe que não escolhe quem irá visitar. Passa dos 60 e tem por memória remota a lucidez da criança que se aventura por caminhos inexplorados. Convive com as lembranças como quem sabe que o tempo, o tempo todo e todo o tempo, não cessa sua tragetória. É, por assim dizer, um sábio formado na lida e na observação atenta do que se passa. Tem como frase preferida e repete sempre que pode: A vida está na esquina, quando menos se espera, já fez a curva.
A bela moça, impulsiva como quem sabe que a juventude passa mais veloz que o acender das luzes, transita linda. Sem meias palavras, impõe-se com autoridade que, em tempos remotos era algo inimaginável. Exuberante em beleza, e só assim alguns e por isso a notavam, Maria, Júlia, Rebeca, Adriana, ela era todas e uma só. Travava uma dura batalha para romper os muros testosterônicos protegidos por decretos e versículos. Pobres coitados; precisam de mentores; crianças grandes.
O dia se foi.
Chega a noite que traz, sem desculpas,
o encanto da lua. Um presente, dirá o poeta.
E já deitado no sofá, o velho olha fotos e chora. A vida passou e chegou o medo com o amanhã que ignora se virá.