Qual o segredo de um relacionamento?
Fico olhando por alguns minutos meu avô e minha avó que conviveram tantos anos e mesmo assim ainda estão juntos. A condução e o cuidado que ela tem a ele, é como uma devoção sacramental. Sempre entendi aquilo como submissão típico de sua época e adornos da geração. Mas olhando bem, meu avô também cuidou dela, protegeu, ajudou na criação dos 7 filhos.
Foi neste momento que me veio uma nostalgia, lembrei quando era criança e íamos para a casa deles, em uma aventura pitoresca em um ônibus vermelho como nome viação Adriana, a estrada era péssima, a viagem demorava horrores, mas tudo para a gente era diversão.
Esperar na praça tomando sorvete de morango com meus irmãos, minha mãe nos levava até dentro do ônibus e avisava “deixem eles na porta da casa dos avós”.
Era dia de fazer festa, levar uma fanta sukita para ser gelada em um pote, pois lá não havia água, mas o que mais aguardava era pela noite, aquele momento típico das histórias na calçada, esperando os vagalumes, os cachorros sentarem e a luz do lampião iluminar o fundo das vozes mais doces que poderia sentir.
Essas vozes ecoavam histórias das mais diversas possíveis, que iam desde causos de alma penada a fofocas da cidade sobre quem está namorando com quem, ou quem estava devendo quem. Como tradição sempre bebíamos um chá que quase todas as vezes era de erva-doce, plantado no quintal da casa. Mas antes do chá meu avô deitava no colo da minha avó, eu achava aquilo tão único, em seguida ela começava fazer “ cocorote” na cabeça do meu avô, mas em forma de carinho, era algo tão típico deles, em todos esses anos de vida eu nunca vi alguém dar carinho em forma de “cocorote”, mas meu avô gostava e meio que cochilava na saia da minha vó.
Como eu sempre fui muito curiosa, certa vez pedi que minha avó realizasse esse carinho em mim, e depois de muito insistir ela resolveu fazê-lo, como tradição fez um chá primeiro, depois veio sentar na calçada e eu pouco tempo depois deitei no seu colo, momento que ela começou a me dá os famosos “cocorotes”.
Meu deus! Como odiei aquilo, não sabia como meu avô achava que aquilo era carinho, eu olhei para ela e disse “minha vó, se isso for carinho eu não caso nunca”. Ela sorriu e disse, cada qual encontra no outro sua forma única.
Confesso que quando criança não entendia bem o que aquilo queria significar, apenas achei que se eu tivesse uma pessoa um dia ela não me daria “cocorotes”, pois já sabia a dor que aquilo ocasionava nas noites de luar do interior.
Há ainda algo a se relatar, que é deveras diferente entre todos os casais que já conheci, meu avô dormia em uma rede e minha avó em uma cama de solteiro, eles nunca tiveram cama de casal e há relatos que no início do casamento dormiam até mesmo em uma esteira, mas nada que pudesse atrapalhar o bom desempenho do casal, uma vez que tiveram 7 filhos lindos e saudáveis, tendo nesse meio até um casal de gêmeos.
Durante muito tempo, fiquei procurando alguém que pudesse preencher meus vazios, de ego, de afeto, de traumas, de sexo e de vaidades, com sentimentos que eu julguei ser amor, apenas para alimentar de maneira “insulinar” meus conflitos internos.
Foi quando encontrei a imensidão dentro de mim, essa pessoa não era nada comum, cabelo sempre com um topete armado para demonstrar charme, olhar amendoado, matusquela, passos desengonçados, sorriso tímido, alma pura.
Seus questionamentos levaram-me para dentro de mim como nunca tinha ido ou questionado e aos poucos fomos construindo o nosso e o que menos imaginava acontecer, foi aos poucos se delineando e eu encontrei o “ cocorote” dos meus avós nela, mas deixa eu explicar (risos).
Nosso “cocorote” é um pouco diferente, temos chá envolvido, e por muitas vezes ele é de boldo, uma vez que nosso passa tempo predileto é comer, ficando “esbafaridas” ao ponto de nos socorrermos ao milagroso chá, hábito que ela aprendeu comigo e confesso que seu preparo do chá é bem mais saboroso que o meu.
Nosso carinho é ao final da noite eu deitar no ombro dela, dando cheirinhos no pescoço, aos poucos ela vai cantando para mim, confesso que na prática ela não canta nada bem, mas seu cantarolar me acalma de uma forma, que posso está com o estresse mais conflituoso e ela me acalma.
Não dormimos em camas separadas, mas nossa cama é dura feito tijolos, e mesmo assim nosso carinho é envolvido de riso a cada estalo da cama.
- Olha ai, encontrei o “cocorote” dos meus avós, mas hoje eles se resumem em “ cantarolações”.
Talvez seja a hora da gente cantarolar mais um pouco, gritar menos-dentro da gente ou com a gente- entender que nós já temos o nosso. Acho que minha avó tinha razão ao dizer que cada qual encontra no outro sua forma única. Com você, aprendi e aprendo, nossa forma é única, brigamos, nos estressamos, mas também sorrimos, abraçamos, vemos o céu, somos sobretudo imensidão.
Se me perguntarem qual o segredo de um relacionamento eu vou dizer: Cantarolar