Hoje eu mergulhei em mim mesmo
Hoje eu mergulhei em mim mesmo. Empurrei com força as águas lamacentas da minha consciência e mesmo com o frio rachando os meus ossos, continuei descendo. Não gostei muito do que vi e uma criatura serpentina encarou-me. Soprou no meu rosto bolhas que estouraram como bombas, mas nada senti.
Mergulhei outra vez; a luz de cima esvaneceu até desmanchar no horizonte cerúleo que me cercou. Esfreguei os olhos, confuso, e vi outro ser a me fitar. Com medo, eu parei, mas a penumbra me convidou: quer dançar?, ela me disse. Eu rodopiei no azul profundo, profundo; a água gelada nem incomodava mais. Com um sorriso sem graça eu me despedi, tímido, do novo amigo e voltei a mergulhar.
O meu pulmão queria ar e sofria, mas no peito não havia dor. Eu só pensava em com quem mais poderia dançar. Uma luz transpassou-me os olhos e encantado eu comecei a nadar: era uma moça bondosa que no abismo se colocou a brilhar. Ela e eu conversamos e no vazio tomamos um chá para novamente dançar. Olhei o relógio, era hora de subir. Tarde demais, algo sussurrou. Chorei e chorei, mas antes que pudesse por demais me lamentar, o pulmão falhou, o frio rachou e a pressão me esmagou.