Em Tempos de Pandemia 16

Estar no caminho do destino obrigou Tamara despedir da amiga sem tempo para delongas.

Aquelas duas horas de conversa não puderam ser estendidas. Tinha que dirigir-se para o aeroporto.

Se para os pisantes a burocracia para o embarque é estressante, imagine a uma cadeirante.

Tamara respondeu a amiga que tinham muito a conversar. Queria sentir como naquele diálogo de novo, num novo encontro, novo tempo, por as vísceras para fora, ao menos parte delas, o estômago, o intestino, o gosto do mundo pela fala, sem pudor. Viver o estar como que inalando o perfume, liberdade fora do frasco numa amizade sincera, desnecessitando valer-se do esforço para o tato, o trato superficial nas relações corriqueiras.

Elba colocou a máscara. Para finalizar aquilo que seguiam na conversa, disse:

__Se estar em Deus foi ter encerrado a discussão interna se sou filha Dele, ou não, pode ter acontecido isto comigo, sinto ser parte de Deus, existe ele em meu âmago, não sei como, mas existe...eu sei.. Não sigo mais a religião de papai e de mamãe nos moldes do desenho da confissão de fé que assumi pacto um dia. Peregrino no mundo vivendo a vida como sendo um traçado escrito por Deus, sem o rigorismo das estruturas convencionais predeterminadas pelos critérios do dogma para eu ser no risco, na reta, apesar de não ter afastado das reuniões, do saborear com a irmandade amiga o gosto único que m` alma usufrui ao estar com o grupo numa solenidade .

Empurrando vagarosamente os pneus da cadeira, Tamara concluiu:

___ Esfumaceia no juízo que temos pouco espaço para o uso da livre escolha, a liberdade é um ultraje, as evidências grita na vitrine da vida, esta que revela violência pagando com violência, pobreza como anfitriã da festa no palco da neurose coletiva instaurada a qual incluímo-nos. Engodo que vive nos lábios e quimeras dos poetas. Com o Arquiteto do mundo não se negocia, estar aqui a partir do nascimento, a vida chama, pede ação, reação. E Ele no comando, dando o dia e a noite. Ida. Por mais que sintamos livres para fazermos ou deixarmos de fazer, somente os resultados chegam, são nossos, pedindo solução, chamando-nos à submissão do destino de sobreviver a qualquer custo.

Tamara disse que deixaria o endereço e o telefone na recepção, não perderia a amiga nunca mais. Manteriam contato via internet, e celular. Elba iria até a Suíça, seria uma maravilha!

Saiu apressadamente, até não ser vista mais.

Elba ficou alguns minutos tentando absorver tantas emoções, até que olhou no relógio, era hora do almoço, iria até o supermercado comprar os ingredientes para o menu que recepcionaria a chegada de Walter.

Tamara retirava do local acompanhada de uma conhecida Suiça, Diná, que estava no Brasil com ela para dar apoio ao transitar no país. Estavam atrasadas, deveriam apressarem-se para pegar o táxi, e dirigirem-se ao aeroporto. Acreditava não dar mais tempo para o check in.

Para saírem da instituição, teriam que descer uma rampa .

Ao manobrar a cadeira veio a descontrolar-se, indo ao chão, caindo de joelhos, lançando todo o peso do corpo sobre eles.

O corpo ficou inerte do lado esquerdo.

Tamara passou chorar copiosamente, experiência com queda desde que ficou cadeirante, como aquela, nunca tinha vivido.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 24/11/2020
Código do texto: T7119763
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