Se eu me chamasse José...
Acordo imóvel, sinto um desperdício perene de horas dormidas, tamanho o cansaço de alma. O dia rebate na porta dos fundos trazendo um silêncio pesado de sol; e vêm as luzes, os grilos, as borboletas. Tudo acerca de alguém que não os vê e tampouco se considera presente. Os gemidos da chuva fina cobrem a janela de rios lacrimais.
Do ônibus lotado, as histórias se copiam: pessoas se cruzam na rua com uma pressa sem rosto; algumas atravessam suas próprias feridas. Há uma eterna vontade de sobressair-se a quem nunca os serviu sequer de um mau olhar. Numa rua disforme, onde os carros se esbarram e aos poucos se abrem cuspindo pedestres, vão se amontoando sob um céu cinza que quando chove, suja. Vejo um monte de vidas se acotovelando e esperando a hora de voltar pra casa, de ouvir buzina, de invejar os pombos.
À noite, alguns se desnutrem em bares gelados de risos e gritos pra esquecer o dia que se repetiu. E volto pra casa, desço do ônibus, dou boa noite ao vizinho e fico pensando se eu me chamasse José, talvez Drummond me pagasse alguns míseros direitos autorais e eu poderia até viajar pra conhecer o mar.