Na janela
A senhora na janela tem a pele branca que destoa de todo o mobiliário antigo do salão, parece uma personagem saída de um filme noir dos anos quarenta. Sua sombra se estende no carpete como se quisesse se libertar. Tem sete meses que ela vê o mundo por sua janela ouvindo lamentos das perdas através das paredes.
Às vezes se sente aprisionada como uma matrioska aquelas bonecas russas onde uma, esconde dentro da outra. Olha a praça vendo os contornos do salgueiro inclinando-se sobre a água de uma pequena fonte lembrando uma linda pintura pontilhista. Ao longo da rua as sibipirunas enfileiradas parecem uma procissão de flores amarelas.
O céu de um azul luminoso tem pequenas nuvens fofas e brancas que logo somem dando a impressão que de repente um aspirador de pó passou e fez a limpeza matinal. A cidade desperta aos poucos: a rua estaria vazia se não fossem os gatos-pingados que passeiam com seus cachorros e o dono da delicatéssen que abre um fardo de jornal.
Alguém toca um fado antigo que corta sua carne, deixando uma cicatriz de nostalgia jamais satisfeita quase uma ferida à espera que alguém venha para abrir as portas como se fosse afastar uma pedra de uma sepultura. Uma sirene passa uivando aflita invadindo a luz vermelha do semáforo que parece com o olho de uma criatura malévola.
Tudo é uma fúria de cores, um tumulto de sons amenizado pela chuva que chega com seus fios, lavanda e prata com o vento farfalhando as cortinas ali dentro. Ela, com seu encantador descontentamento de harém, seus véus de infortúnios e olhos brilhando ironicamente fecha a janela e volta a sentir-se uma matrioska.
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