[O Olhar dos Vivos]
[Há uma dor de ocos pelo ar sem gente... - Garcia Lorca]
Entardece... nas ruas calmas cessa a vida,
e sob o manso choro da garoa da tarde,
com os olhos feridos pelo brilho das pedras, eu caminho...
Em sua cinzenta habitualidade,
os homens caminham pela mesma calçada de ontem;
esperam viver amanhã o nada de hoje.
Lá dentro daquelas casas antigas,
almas vazias, flores mortas e pardas relíquias
relembram priscas glórias.
Nas janelas, moças tristes e sonhadoras,
tricotando o seu tédio,
olham para um futuro que não virá.
No suave entardecer,
as pálidas luzes que escapam das janelas
brilham por entre os galhos escuros das árvores
e enchem de angústia a minha alma.
A extensão infinita da Rua da Estação
une os altos da cidade
e promete saídas que muita gente não ousa.
No silêncio do largo da velha matriz, ecoam,
alegres, os gritos da infância distante.
As tristes águas dos janeiros que demarcam a vida,
e as formigas cortadeiras que carregam tenros brotos
evocam a finitude.
A matéria efêmera, banhada em lágrimas,
passa ladeira acima, ao lado do Rosário:
leva consigo, por instantes, o olhar dos vivos!
E no entanto, eu caminho...
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[Do meu livrinho "Araguari(Narrativas Poéticas"], ilustrado por Paula Baggio