Por favor não me envie mensagens longas.
Não, não quero viver cem anos. Neste tempo que vivi percebi os rios virando valas de esgoto. Florestas invadidas por necessidade ou ganância. Desde ainda jovem observava as praias imundas depois das festas. Festas fúteis de vaidade e luxúria.
Não vou obedecer ao padre, ao pastor, ao pai de santo ou ao monge se me obrigarem a parecer feliz e bem sucedido sem que eu me sinta desta forma. E a velha família nunca fala nas festas dos assuntos que realmente importam. Porque festa não é lugar para assuntos polêmicos. E congelam seus sorrisos nas fotos para as redes sociais por mais um ano.
Tantos crimes hediondos e seres humanos que poderiam ter sido brilhantes, abandonados. E crianças amorais de todas as classes, se vendendo pela nova moda. Irão dilapidar suas heranças, queimar seus livros mais queridos e seus recortes de jornal de décadas em uma fogueira nada romântica. Venderão suas relíquias e obras de arte por centavos e perderão seus escritos, de toda uma vida, na próxima mudança. E irão brincar com os sentimentos dos mais sensíveis, dos diferentes, dos de vida mais simples e causar dor ao próximo. Muita dor. Pois foram amados demais e sofreram muito pouco.
Não. O futuro não será bom. Eles são maioria. E eu não acredito em milagres.
Esta mídia rasa e tão parecida com tantas milhares de outras que já foram feitas de como viver melhor em dez, quarenta ou cem passos, causou-me um incômodo sutil como uma lâmina afiada por debaixo das pálpebras dos olhos. Tão colorida e tão cheia de pessoas sorridentes e de paisagens de lugares que nunca irei conhecer e que em nada se aproximam da minha realidade.
Minha pia está entupida, minha casa está queimada, meus amores enterrados em covas rasas, pois já não tenho forças para cavar mais fundo. Estou em pedaços, e ninguém percebe. Não será uma mensagem burguesa pseudo-filosófica e longa, tão longa como um estupro, que irá reunir meus pedaços.
Meus pedaços estão espalhados pelas enxurradas das tempestades elétricas noturnas, pelas ventanias que arrancam telhados inteiros, e pela poeira das estradas que não levam a lugar algum.
Quero verter um pouco de mim sobre este chão; sangue, lágrimas, sementes, apenas para ter a quase certeza de que ainda estou vivo e depois dormir. Um dormir turbulento, recheado de pesadelos e espasmos de dores sem nome. Um dormir de não querer acordar.
Não. Não quero viver cem anos. Só quero viver até amanhã.