ou
POEMA DE UMA RIMA SÓ
Que a minha poesia não estampe o irreal.
Que não expresse a minha dor nem o meu cansaço
Nem o meu sorriso.
Ela não deve retratar nada.
Que a minha poesia não tenha nada do que penso de mim,
Porque tudo o que penso que sou é apenas o que quero ser
Ou o que me disseram que sou.
Toda definição é um remoto não existir.
Se ela tiver de ter alguma coisa de mim:
Que tenha aquilo que eu sou sem saber.
Minha poesia não é um espelho pra mim.
Pra você, pode até ser um palco, um espelho, um segredo, um susto, nada...
Mas pra mim, não sei...
Que a minha poesia tenha idioma, gestos e dança próprios.
Que seja diferente como todas as coisas;
Que seja filha de todas as coisas,
Mistura dolente de tudo o que sente.
Que o corpo e a alma da minha poesia não sejam os restos
Da minha mente, do meu querer...
O querer é produto da ausência e a ausência não é vida.
Que a minha poesia seja vida.
E como a vida é uma ordem, uma destruição construída;
Que a minha poesia, construção destruída,
Respirada e sem medida,
Pelo menos seja lida.