PRIMAVERA CARIOCA
A primavera insiste em nos visitar.
Já disse que o momento é grave, de cores neutras... mas há flores de vento por todo lado, começando a semear as próximas estações. Há pássaros anunciando a manhã no meio da madrugada, perfumes de jasmineiros que não respeitam máscaras e espinhosos bougainvilles saltando dos quintais em arrogante sabedoria.
Há, também, a confusão das frutas. Ultimamente tenho encontrado mangas apressadas pelo chão, que se desintegram em doçura, sem saber onde estão as crianças que, antes, corriam pelas vielas, ruas e praças.
Esta indiscreta primavera insiste em nos visitar! Já informei-a sobre tudo! Ela conhece de longa data o bolor que conseguiu novamente se entranhar no auriverde e sabe que há excesso de púrpura e bordô no Rio, de janeiro a janeiro.
Esta primavera invasiva insiste em nos visitar! Pois que fique por muito tempo, ou não vá embora, para que suas cores, ignorando a dor, possam ajudar a rasgar as vestes das mães enlutadas.
Que continue, então, metendo o pé na porta, lembrando-nos de que ainda estamos vivos, travestindo de esperança a nossa cidade nua, deflorada sem piedade a cada novo amanhecer.