Eu sou do tempo em que se via cair a fruta do pé, se colhia, se comia com as mãos, sem talheres, sem vasilhas, se lambuzava a cara e a camisa de frutas fresquinhas ou do bolo de chocolate cremoso da vovozinha. 

Do tempo em que se andava com os pés descalços na terra, de que horas de conversas intermináveis nos olhos, deitados na calçada admirando a poesia Divina que é o nascer, e por do Pai Sol, se aquecendo, se nutrindo se energizando da sua Luz, da chegada da mãe Lua acompanhada das estrelas para iluminar a noite, trazendo o sereno aquele cheirinho típico de dama da noite, ao nosso descanso.

Dos tempos em que um abraço era mais confortante para alma do que hoje é um like para o ego. De que as conexões eram reais, mais fortes, empáticas e além do Android. De que não se precisava de wi-fi para se conectar, apenas um olhar, um toque, um carinho, um abraço. 

Dos tempos em que nossa dopamina, seratonina, era liberada em divertidas guerrinhas de travesseiradas na cara, enquanto sentia o cheiro de bolo, tortas sendo assado na cozinha, pra quem tinha avó, ou tias, soube o que era ser criança e poder se gabar dessas gordices, dessas delícias. 

De ficar sujo de tanto brincar na rua sem saída até tarde da noite, jogar futebol, queimada, vôlei, peteca, esconde-esconde, e literalmente se esconder nas árvores ou em cima do telhado dos vizinhos igual um macaquinho, de pular corda, soltar papagaio, andar de bike, skate e ralar o joelho, carrinho de role man, jogar ioiô, tapão, colecionar figurinhas, jogar super Mario world, Bomberman...
ser intimado a entrar pra dentro, e pedir "só mais cinco minutos", e depois mais cinco, chegar em casa igual um mendingo ser intimado novamente a tomar banho e responder com aquela marra típica de criança "tomar banho pra quê se amanhã vai sujar de novo?" 


De ganhar um patinete do vizinho que tinha uma oficina, e voltar várias vezes para levar o patinete pra ele consertar as rodas que quebravam com as manobras de cavalo e ouvir ele dizer - " é pra você tem que ser roda de ferro né Jovem kkk

De comprar balas e todas as gulodices com o tio do bar da esquina, e as vezes até ganhar umas de brinde. 
De ter o privilégio de andar pela rua de casa ainda de pedras, e ver os cocos e as pinhas do pé da vizinha caindo na rua, e jogar na casa dos vizinhos, bater campainha e sair correndo, aquelas travessuras típicas de crianças.

De ver o padeiro trazendo pãezinhos frescos em sua bike...


Eu sou de um tempo, de um tempo bom que não há palavras suficientes para descrever, um tempo que deixou saudades, um tempo que as crianças dessa era tecnológica talvez nunca possam conhecer por estarem presas aos entretenimentos vazios dessa modernidade líquida e efêmera. 

Hoje eu acordei do sonho em que essa poesia recitava, eu me lembrei, a chama ainda está viva...
 
Víctor Sigmaringa
Enviado por Víctor Sigmaringa em 18/10/2020
Reeditado em 24/10/2020
Código do texto: T7090220
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