PARAFUSO

Foi durante aquela curva malfeita

Que as espiras saíram da rosca

Com o tranco fiquei torto

E caí no leito da estrada

Depois, largado no acostamento

Fui recolhido pela pá mecânica

Junto aos restos do atropelamento.

Comprimidos numa caçamba

Fomos transferidos para o ferro velho

Os dias se passaram e eis que de repente

Alguém revira os pedaços de ferro retorcidos,

Não sei dizer o critério, mas fui um dos escolhidos.

Calor de forja, martelo e bigorna

Muitas horas de pancadas

Por fim em lâmina transformado

Fio perfeito com cabo protetor

Agora sou canivete, amolado, cortador.

Conheci o sabor da laranja, da carne, do maracujá

Cortei limão azedo, cana doce, abacate e trapiá

Numa noite de festança

Com sanfona e muita dança

Houve um crime a lamentar

Entrei na briga por acaso

Nem sequer fui consultado

Se era esse o meu querer

Canivete que corta tudo

Sem nem fazer distinção

Corta gente valente também

Como arma de execução.