Ponto final

Preciso escrever o último capítulo deste livro. Mas, sabe, nunca fui muito chegada a finais. Sinto que, no fim, tudo acaba. E faz sentido, não? Ou será que, em cada final, algo acaba, mas não tudo. Acaba a história, mas não a vida. Fecha-se um ciclo, prepara-se para um novo. Fico adiando essas palavras pois ainda não sei como me despedir.

Mas, afinal, o que é o fim de um livro? A última página? As últimas cinquenta páginas? O último capítulo, seja lá que tamanho tiver? Ou ele só acontece exatamente quando se encontra o último caractere, da última frase transcrita?

Penso que, antes de chegar ao fim, ele já aconteceu. É engraçado pensar que o fim nunca acontece no exatamente no final. Morre-se aos poucos. O último suspiro é quando o corpo enfim aceita que a vida já acabou.

Às vezes, as últimas páginas têm pouco a dizer. É quase impossível encontrar um final perfeito. Quando algo é bom, não desejamos que acabe. Não é possível decifrar todos os dilemas em vida, então por que atribui-se aos finais tal responsabilidade? A de resolver todas as questões em aberto, de sanar todas as dúvidas. É bem provável que nem desejemos conhecer todas as respostas. De modo que, nem assim, o final seria capaz de agradar.

Não se pode determinar em que momento as melhores partes estão acontecendo. Nunca se sabe a extensão da linha do tempo até que ocorra o final. Estaremos nós ainda bem no começo de uma longa história? Será que já passamos do meio? Ou o final está mesmo batendo à porta?

As últimas páginas de um livro podem, ainda, ser tão intensas e tão intrigantes que o final nem tem cara de fim. Acabam-se as palavras como se tivessem sido interrompidas, e não concluídas. Ansiamos por uma continuação, a qual o destino pode decidir nunca publicar.

Eu não sei escrever esse final. Pois sinto, às vezes, que, se fosse dizer tudo que ainda guardo aqui dentro, jamais haveria páginas suficientes. Eu poderia fazer deste fim toda uma nova história. E quando esta fosse acabar, eu começaria tudo outra vez.

Mas, em outros momentos, penso que já disse tudo, e até demais. E só restam aqui estes dizeres formais que a trindade Começo, Meio e Fim requer. Para que falar de um adeus que já aconteceu? De uma vida que já se perdeu? De uma decisão que já foi tomada? De uma flecha que já foi lançada?

Se nem tudo acaba no fim, espero mesmo que haja algo depois da última palavra. Em um novo ciclo, em uma nova jornada. Essa história já acabou, enquanto se lia de madrugada. O sol vai nascendo e minhas palavras, se pondo. Não sei de quantas linhas ainda preciso para me despedir, se já disse tantos "adeus", afinal. Este vai ter que ser por extenso: ponto final.

Dancker
Enviado por Dancker em 09/10/2020
Reeditado em 09/10/2020
Código do texto: T7083126
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