Sobre ser aprendiz

Há três meses, Moá me ensina a brincar.

Sempre antes de eu sacar a bola ele grita: Respira, não se avexe!

Eu observo minha respiração desritmada, tomo meu tempo e respiro.

Sim, a gente acha que sabe respirar, mas na real nem sempre sabe.

Também achei que sabia brincar, até me ver aprendendo com um senhor de 50 e alguns anos.

Jogando, ele me olha, dá uma piscadinha e diz: “Só brinca, Mari, só brinca com a bola.”

Sem preparo físico, as vezes me movimento pouco em quadra e lá vem ele com o sotaque paraibano que é uma delícia de ouvir e diz: “Tu tá é morta, é?”

Ele me relembra de que estou viva e que viver requer movimento.

Demorei aprender a “smashar”, empunhadura ruim, pouca força. Já nos saques, sacava fora, força demais.

Moá, caminhava e me olhando dizia: - “Mari, tu tem raiva, não tem?” . É, eu tinha e tenho.

- “Coloca toda ela no próximo smash, eu vou te dar um lob e eu quero ver tua raiva canalizada na recepção, solta a mão ok?” Eu dizia ok e me concentrava nisso. O smash saía perfeito.

Fui aprendendo que energia bem canalizada é uma bênção.

Já nos saques, ele reforçava: “muita força, pouca força, força nenhuma” – Tu vai ter de aprender a dosar. Sacou fora? Vai tirando a mão.

E aí eu fui aprendendo a trabalhar minha força e perceber que as vezes não cabe forçar, as vezes é jeito mesmo.

Ele quis me inscrever no torneio, eu achei que não tinha jogo para tanto e ele me corrigiu: - “Não vai jogar não, tu é besta? Vai brincar.”

E me inscreveu. Me arrumou uma parceira. No jogo, na final do torneio, entre um game e outro ele vinha todo animado e me ensinava a ler o jogo, me ensinava a ser mais estratégica.

As vezes no calor da emoção rolava uns chingos: “Segura essa raquete com firmeza, filha de uma égua.”

Em outras eu ouvia: “Ótimo saque!” “Boa, Mari.” “Vamo, vamo.”

E assim eu fui fazendo a leitura, não do jogo, mas da vida.

Assim eu aprendi que a vida, como o beach, não é um jogo, é uma brincadeira.

Perde quem tenta jogar.

Eu tô devagar aprendendo a brincar e vivendo a delícia de ser aprendiz.

Nem perdendo, nem ganhando, mas tentando e brincando.

Atleta nunca fui. Também nunca almejei ser.

Tinha saudades é de ser criança.

E veja só: tô sendo.

Aprendendo com um nordestino que tem o dobro da minha idade.

Porque de tudo que o aprendi e desaprendi, eu não desaprendo nunca a capacidade de aprender.

Com criança, adulto ou idoso.

Porque aprendi também, que novo e velho é só questão de ponto de vista.

Moá é novíssimo e apesar do corpo adulto, tem alma de criança.

E o primeiro lugar alcançado, não significa que vencemos a outra dupla, ou que somos campeões. Não somos.

Significa que estamos tentando.

Significa que estou aprendendo, a ouvir, a ler a vida, a brincar e a viver.

E isso eu aprenderia, ainda que a medalha não viesse.

Porque não é quem vence que aprende.

É quem tenta.

E na vida eu sou a pessoa que tenta.

Mariany Mendes
Enviado por Mariany Mendes em 05/10/2020
Código do texto: T7080273
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