Habitar com amor a própria pele
É o que dizem quando finalmente sustentamos a dor e a delícia de ser o que se é. E foi assim que me senti durante certo tempo. Estive bem na minha própria pele, confortável e muito acolhida. Me sabia iluminada e sombria por tantas razões e fui aprendendo a bancar todas elas. Me sabia impulsiva por um lado e por outro sabia que esse meu lado um tanto quanto enérgico se bem empregado seria um bom aliado. Nem sempre soube empregá-lo bem. E por essas vezes experimentei a dor. A delícia era quando minha impulsividade se fazia assertiva. Isso se estende para inúmeras outras características minhas. E estar agora de fronte a uma incapacidade de novamente lidar com minhas sombras, com meu lado não tão bom, me fez compreender algumas coisas. Habitar com amor a própria pele não é um lugar ao qual se chega. Ou algo como uma conquista definitiva. Compreensão que só me chegou agora. Requer manutenção contínua. É impermanente como percebo que quase tudo é. Basta uma distração para se enrijecer de novo e se desencaminhar de sua habitação. Habitar com amor a própria pele é não se assombrar com as próprias agruras. Saber que existem. Saber que fazem parte daquilo que se é. E saber que elas nos causarão espanto em dado momento, só não se pode é ficar por tempo demais espantado porque é preciso refazer o caminho. Quando o nosso olhar fica endurecido para conosco, estar na nossa própria pele tende a ser incômodo. O perigo de conhecer a si é mesmo este: haveremos de nos estranhar muitas vezes. E agora eu sei que quando quem eu sou me causar demasiado espanto é o meu olhar que eu devo alinhar para então voltar a me habitar com amor. Sabendo que não haverei de admirar o todo que sou, e na verdade nem preciso, o que eu preciso de verdade é me aceitar imperfeita, repleta de agruras, de marcas e fissuras. Me habitar é habitar os meus avessos todos. É gostar das minhas luzes e suportar com amorosidade minhas sombras. Me habitar é saber que sou inteira, não partes. É conhecer o porão, visitá-lo algumas vezes e preferir a sala e o quarto porque são visivelmente mais belos e confortáveis. Me habitar é saber que o porão esconde muitas partes minhas e que todas elas, bonitas ou feias, dão sustentação ao todo que sou e que pode ser demasiado perigoso querer portanto jogá-las fora. Eu sigo aprendendo, compreendendo e me desconhecendo. Eu sigo tentando me habitar com amor.