Naquela época, não interessa qual, eu, adolescente de Cachoeiro, os ufanistas de sempre diziam que havia uma diferença entre adolescente comum e o “adolescente de Cachoeiro”. Sei não, mas de algum fato ou fantasia viera o termo. Do bairrismo? Penso que não. Seria demais. Mas, vamos lá, deixa eu vender meu peixe, que é mais interessante do que ser adolescente, de Cachoeiro ou não. Pois bem, naquele tempo, como todo bom moleque, também eu tinha uma namoradinha. Alguns tinham mesmo é namoradona, pois seguiram em frente com as ditas e ainda hoje são provectos avós, ou mais, em parceria abençoada com elas. Não foi o meu caso. Eu não era tão prestigiado assim nas lides do amor primeiro. Pô, mas por Tutatis, cadê o tal peixe à venda? É verdade, desculpem, me empolguei com as lembranças. Talvez daí venha o rótulo juvenil. O adolescente cachoeirense tem lembranças, se não for isso, bem que poderia sê-lo. Gente, que saco! Não é tão difícil assim. Pois é, além da namorada havia a igreja matriz e suas celebrações, entre elas a “confessio” ou reconhecimento dos erros e pecados diante do padre, buscando absolvição. Aí entra o fulcro da questão ou o meu “peixinho”. Vai daí que a namorada, certamente após noite mal dormida, vem e me intima a acompanha-la à matriz, “ao cair da tarde”, com a devida licença do mestre Florisbelo Neves, para que eu me confessasse e no dia seguinte comungasse. Beleza! Não fora o fato de que eu sou e sempre fui espírita. Os que me conheciam à época sabiam disso tanto quanto ela, desde o primeiro dia, quando fazíamos o “footing” na calçada da praça. Eu nunca havia confessado ou comungado. Ameaçou-me com “greve de contato”. Ver um filme no Cacique ou no Broadway, sem estar de mãos dadas com a menina seria o meu apocalipse sentimental. Ora, ora, de jeito e maneira eu me submeteria a tal abstinência. As mulheres, passando por Dalila, Helena, Catarina etc. sempre tiveram o controle da “pierre de touche” do convencimento para nos levar à submissão. Então, após o treino do juvenil do Estrela, tomei o rumo da matriz, cuja distância do Estádio do Sumaré é bem curta. Adentrei as portas da Nave e procurei com os olhos minha linda e querida opressora. Na parede lateral que dava até o confessionário havia uma fila mediana formada por jovens e adultos respeitosamente circunspectos. Certamente avaliando suas consciências. Vislumbrei-a na terceira posição a partir do início. Acenei-lhe sinalizando que iria para o fim da fila. Balançou a cabeça negativamente e chamou-me para junto dela. Fui, óbvio. Colocou-me à sua frente. Ninguém iria reclamar ali daquela mordomia, temendo arrumar mais um pecadilho, o da intolerância. Assim, logo chegou a minha vez. Como orientado, ajoelhei-me diante da parte treliçada do confessionário e esperei. Do outro lado, silencio total. Observei que o padre estava tentando me identificar. Afastei-me um pouco. Aí, ele falou: - MENINO, O QUE ESTÁ FAZENDO AQUI? – Reconheci então o padre. Nós o chamávamos de padre Pelé. Ele assistia sempre as “peladas” no pátio lateral da igreja. Eu saia do meu bairro e ia até lá para jogar, a convite de um grande amigo de infância, o Paulo Rui Matos, que morava perto. Além do mais, eu era bem conhecido à conta do time do Estrela. O padre era ótimo e um bom companheiro. Fiquei feliz ao saber que era ele o autor da pergunta. Respondi, não sem antes aguardar um tempinho a pedido dele:
PADRE, EU ESTOU AQUI POR CONTA DAQUELA QUE VIRÁ DEPOIS DE MIM. Ele esboçou um sorriso divertido e disse: SENTE NAQUELE BANCO DE FRENTE PARA O ALTAR E REZE TRÊS PAIS NOSSO E TRÊS AVE MARIAS. SE CONSEGUIR, ESTÁ CONFESSADO.