"A Humanidade no Divã - uma análise fria de uma realidade de incertezas".

Será ficção?

Acordo; fico ali inerte; nem mesmo os olhos têm vontade de mexer. As lágrimas nem querem mais fazer o percurso rotineiro, secas. Assim como a esperança.

É apenas mais um dia sem expectativas.

O trabalho já não mais me espera; se perdeu em meio a tanta confusão de abrir e fechar portas.

Não mais conheço o motorista do ônibus que me levava até a empresa todos os dias, salvo os dias da sua folga, ou da minha. Talvez ele tenha partido desse mundo, ou também perdeu o seu emprego. Será que também perdeu algum ente querido? Amigos? Esperança?

Continuo deitada e os pensamentos todos levantados em interrogações. Como será que está o mundo lá fora?

Sem emprego não tenho a mínima vontade nem de ver se há sol ou chuva; até porque não tenho dinheiro nem para um cafezinho na cafeteria do senhor Milton. Tive noticias dele, entre um abrir e fechar de portas sobreviveu, tanto em vida, quanto em finanças.

O auxílio emergencial não foi aprovado para o meu nome, pois havia perdido o emprego e estava vivendo de seguro desemprego, infelizmente as cinco parcelas já descontinuaram em junho.

O meu dinheiro na poupança, só míngua, enquanto as contas de água, luz e internet não se perdem do meu endereço.

Também não sei até quando estarei nesse endereço, se o proprietário do imóvel não tiver um mínimo de pena, em pouco tempo serei despejada.

Continuo deitada pensando: há quem não tem onde se deitar, há quem não tenha uma migalha de pão, nem pra si, menos ainda para seus cinco filhos; sequer leite no peito para o recém-nascido.

Fico pensando nas pessoas do mundo todo. O noticiário da TV ligada na sala pelo meu filho, diz que a presidência está dando um show familiar, ridículo é claro. Não é digno de ser humano.

O vírus ceifa silenciosamente. A rachadinha é impune até o momento, quem entrou para combater a corrupção não tem moral, fala asneira até pelos cotovelos, em tom de estupidez.

As lives dos artistas revelam o quão bobos são... Iguaiszinhos a qualquer outra pessoa, bebem demasiado, falam palavrões e n coisas. Só tem dinheiro, por enquanto.

As influenciadoras digitais só querem ganhar, vida bem fácil e falsa.

Não tenho a menor condição de me levantar; lá fora há movimento normal no trânsito, as pessoas tentando correr atrás do prejuízo; outras tão sem juízo.

Aqui dentro eu tenho uma única certeza: há sombra.

O mundo foi desconstruído, até o ruído sísmico. As pessoas se desestruturaram, os psicanalistas estão procurando os melhores psicanalistas, mas estes também não têm estrutura emocional.

Continuo quieta com um burburinho por dentro. Lamento tanto me sentir tão impotente assim.

O rádio ligado baixinho na cabeceira me diz que ‘um certo’ doutor, há pouco, pedindo para as pessoas ficarem em casa, agora já diz que ser mesário é seguro. Hipocrisia.

Olho para o relógio, não se passaram nem dez minutos; e fico pensando:

_ Meus Deus, o que fazer com o resto do tempo?

Viro-me para o canto e puxo o edredom; me percebo mais animada hoje, ontem nem me virei. Talvez tenha percebido a superação me olhar de soslaio.

Raquel Ordones
Enviado por Raquel Ordones em 16/09/2020
Código do texto: T7064927
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