((( ANTÍDOTO )))
Já não sei se o que ouvi ainda a pouco me assustou ou me deixou ainda mais indiferente. Nada sei das coisas que ouço, quase sempre é assim. O tempo, irmão imparcial e onipresente segue me dando dias que não conheço, paródias de um cotidiano que me falta, e - notem bem - me faz falta.
Não, não se trata de redundância, tenho como distinto até o ar que me invade os pulmões a cada sopro de vida. Tomei por inimigo o dissimulável, e passei a evitar a contenda ao percebe-la inútil.
Hoje apiedo-me dos pobres espíritos, almas escuras e fadadas ao amargor, que não conhecem dor nem sorriso, mentes opulentas de soberba, porém paupérrimas de espírito e amor. Que mostram-se como heróis, mas comportam-se como vermes da pior espécie.
Eu, por minha vêz, carrego fardos e vícios, cuja locomoção seria ainda mais penosa, se permitisse que a eles se somasse o peso morto da iniquidade. Consciente de minhas inúmeras imperfeições, constato vivo e mais leve que dentre elas a maldade não figura.
Quando em um espaço móvel e pensante, percebi que mesmo em erro ainda mantinha reservas de luz, espasmos de saudade e esperança. Logo concluo que sem amor sou reduzido a nada, e ainda menos, sem mim, sem ninguém. Se me inutilizo na ausência do amor, só o amor pode me despertar, mover-me abrupto à vida.
Tenho sede, tenho fome, tenho vida, tudo isso sem céu nem comunhão. Balbucio frases roucas de sentido, aborrece até o incauto leitor que corre os olhos pelas linhas, entediado por não poder entende-las.
Através de um fruto, ainda que temporão, me foi concedido o amor incondicional. Deixo aqui minha descendência, e sou embriagado de ternura a cada abraço do seu pequenino corpo. Um amor que me inunda o espírito, me move a querer ser melhor, me condena quando sou pior, e que jamais poderia em mim escassear.
Assim, sou envenenado por meu próprio mundo a cada segundo de amor, a cada minuto de luta, a cada passo de esperança.