Encontrada na praça, entre os pombos
Foi uma noite feliz com Maria. De manhã, o claro do orvalho agitou nossas ofensas e nos perdoou de todo o sofrimento, que todo ele não teve sentido. E ela foi olhar, revirou no rego d’água e se virou de manso num barco branco de papel. O papel era de caderno pautado e na capa uns escoteiros. Avante!
Foi uma noite feliz com Maria. Encontrada na praça, entre os pombos, o que Maria não teve que já não tivesse? De mim, pelo menos, não me levou um nada. Não aprendeu a ler – juro que não fui eu – todo o sofrimento já lhe vinha incrustado, aperolado em seu coração de ostra clara. De que lhe dei? Não, que nada, ninguém dá nada. Nada se acrescenta aos outros nem se impõe. Tudo está marcado firme em nossa profundeza deste o tempo imemorial como se marca o metal no ácido.
Mas ela nada disse. Encontrada entre os pombos, na praça, continuou sorrindo durante todo o tempo em que eu a levava, enquanto dizia um algo-poesia sobre uma tal malva-maçã.
Certo que eu nada entendi. Nem a tomei por louca. Que possuo eu, pobre de mim, de loucura para rotular um louco? Nada sou. Aliás, mesmo esse nada que ficou sendo meu ponto de chegada, mesmo ele não foi determinado. Ele veio assim e foi Maria quem rotulou o nada. E grampeou uma placa escrita no cerne do meu passo.
O certo de tudo foi uma noite feliz com Maria, nada mais que isso. A madrugada, desfeita em línguas de hortelã, é quem talvez nos diga mais das coisas. Por que eu... eu não. Também fui achado entre os pombos na praça e me contentarei em jogar-lhes milho. E quando o milho faltar, hei de atirar palavras aos pombos na praça.
(Brasília, 05/01/1975)