Memento mori

O bebê reparou na fome que sentia, entristeceu-se, largou o chocalho colorido e chorou.

Crescendo, reparou no brinquedo do amigo, entristeceu-se, foi embora do parquinho e chorou.

Crescendo, reparou que não era independente, entristeceu-se, ignorou os irmãos e chorou.

Crescendo, reparou que o Capitalismo era injusto, entristeceu-se, desmarcou com a namorada e chorou.

Crescendo, reparou no seu desemprego, entristeceu-se, desviou os olhos do pôr-do-Sol e chorou.

Crescendo, reparou que não conseguiria trocar de TV naquele Natal, entristeceu-se, não fez amor com a esposa e chorou.

Crescendo, reparou que os filhos não seguiam seus caminhos, entristeceu-se, não conversou com eles e chorou.

Crescendo, reparou que o presidente era desonesto, entristeceu-se, não terminou o seu livro e chorou.

Crescendo, reparou que as dores nas costas aumentavam, entristeceu-se, não praticou sua caminhada e chorou.

Crescendo, reparou que estava sozinho, entristeceu-se, não procurou os velhos amigos e chorou.

Morreu.

E sem reparar em tudo que deixara de desfrutar enquanto chorava.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 02/09/2020
Reeditado em 02/09/2020
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