Memento mori
O bebê reparou na fome que sentia, entristeceu-se, largou o chocalho colorido e chorou.
Crescendo, reparou no brinquedo do amigo, entristeceu-se, foi embora do parquinho e chorou.
Crescendo, reparou que não era independente, entristeceu-se, ignorou os irmãos e chorou.
Crescendo, reparou que o Capitalismo era injusto, entristeceu-se, desmarcou com a namorada e chorou.
Crescendo, reparou no seu desemprego, entristeceu-se, desviou os olhos do pôr-do-Sol e chorou.
Crescendo, reparou que não conseguiria trocar de TV naquele Natal, entristeceu-se, não fez amor com a esposa e chorou.
Crescendo, reparou que os filhos não seguiam seus caminhos, entristeceu-se, não conversou com eles e chorou.
Crescendo, reparou que o presidente era desonesto, entristeceu-se, não terminou o seu livro e chorou.
Crescendo, reparou que as dores nas costas aumentavam, entristeceu-se, não praticou sua caminhada e chorou.
Crescendo, reparou que estava sozinho, entristeceu-se, não procurou os velhos amigos e chorou.
Morreu.
E sem reparar em tudo que deixara de desfrutar enquanto chorava.