Linha do Tempo
®Lílian Maial
 

Eu brinco de poesia e finjo crescer a cada dia.

Brinco de filha e irmã, de atirar poemas pela janela e inventar que foi ela. Mamãe acreditava e a deixava sentada no colo, por duas horas, só para ela aprender a não dizer tercetos.

Brinco de mãe e faço versos de bife com ovo estrelado. É bonito isso: um céu de nuvens de clara, sol de gema e tudo na frigideira estrelando. E tempero com a lágrima que pinga da estrofe.

Às vezes vejo nuvens de marshmallow escrevendo seu nome no céu. Deve ser assim que os anjos costuram letras e fazem arte.

Não entendo nada de anjos, muito menos de matemática. Só sei calcular finais felizes e sonhar cidades inteiras de coisas boas, pessoas de bem com a vida, noites permeadas de luares e de mãos dadas.

Não sei nada de amor também. Não aprendi a cortar cordões, a soltar as mãos dadas, a esquecer de canções de ninar e nem de desarrumar as gavetas da saudade. Não me ensinaram o não amor.

Todo dia eu choro o que não foi, mas também me alegro com o que será. O que é sempre me agrada, mesmo que não. Então, sorrio para o grito da maritaca, que me entende o entardecer sem seus braços ao meu redor.

Vejo pessoas pela janela e sinto a estranha vontade de ir com elas para algum lugar. Será que chegariam a você? Todas compreendem a poesia nas trilhas das formigas? Todas sabem que eu sou inteira e intensa e que não consigo medir quereres?

Esse crepúsculo nublado me transporta para seus olhos fitando o horizonte, quando não conseguia decifrar seu destino. De súbito, o sorriso das pálpebras e um sol imenso, que me queimava de contentamento. Desceu até o mar e chiou no horizonte.

Minhas lembranças se misturam à fantasia em que prefiro imortalizar você me descobrindo aos poucos. É onde vivo a maior parte do tempo. Vez por outra, um verso me puxa para a realidade e ouço o telefone tocar. Não atendo. Não era você, mesmo.

Eu brinco de poesia e escrevo versos adultos, versos de estrada, de olhos marejados de despedida, versos de mim. Visto terno e gravata e me enfeito de rimas. Pego o ônibus e me aperto num estrambote.

Brinco de poesia e me vejo multiplicada, pele, sangue, células. Vejo a finitude e a imortalidade num só gole. Um abraço de corpo inteiro, o cheiro emanando dos poros, o calor da vida, felicidade.

É verdade: cresci poesia!

 
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