AS MINHAS ASAS

Sento-me na balaustrada do meu ser. Contemplo a pérgola, abraçada pelas buganvílias e os cestos suspensos com amores-perfeitos, lobélias e petúnias em agradável harmonia.

Inspiro o ar, deliciosamente perfumado pelas flores. Cá dentro estava muito calor. Respirava com dificuldade. O ar era quente e húmido com um ligeiro odor a enxofre. Deixava nos órgãos uma película viscosa e uma sensação peganhenta.

Ao saír para fora, senti de imediato o frescor do entardecer. As cores do ocaso, colheram a minha atenção por alguns momentos. Esses momentos, podiam ter sido eternos e eu teria partido desta vida feliz. Mas só Deus sabe quando chega o nosso trem. E quando chegar, nós vamos saber que temos que embarcar. Inebriada com a metamorfose das cores nem dei conta do tempo passar.

Veio a noite e as estrelas pontilharam o céu. A lua saúdou-me, contente por ter companhia. Trocámos dois dedos de conversa e fiquei sabendo que um dos seus filhos, o mais novo, houvera casado com a estrela da manhã. Tinham partido em lua de mel nas asas dum condor para um destino exótico.

Isto fez-me pensar um pouco na minha vida. Não tarda e o meu trem está aí.

Fiquei anos a fio ,esperando o amor chegar. Soou-me aos ouvidos que vinha a caminho. Foi o vento que me trouxe a novidade, mas não passou de alcoviteiro. Esperei pacientemente, olhando com atenção tudo que passava por mim.

Passaram as flores, cada uma mais bonita que a outra. Passaram animais de toda a espécie. Passaram os peixes de todas as cores. Passaram as aves pequenas e corpulentas a toda a velocidade. Nada reparou em mim.

Ao longe avisto uma multidão. Renasce uma esperança prematura, coberta com uma enorme camada de vérnix.

Contudo, quer os homens quer as mulheres, impávidos e serenos seguiram o seu percurso. Nada em mim lhes prendeu a atenção e despertou interesse.

Começo a sentir-me mais pequena que um avo. Vejo-me a minguar involuntariamente. Esforço-me para travar o processo e não consigo. Deixei as ferramentas lá dentro mas sei que tenho que agir rapidamente, a fim de evitar o meu colapso. Bato três vezes com a cabeça na parede erguida á minha frente. Graças a Deus, o processo decrescente estacionou.

É neste momento que me capacito, que tenho que fazer alguma coisa por mim. Se nada repara em mim, tenho que fazer uma reconstrução interior e a seguir rebocar as paredes exteriores, pôr caixilharia nova nas janelas e pintar tudo com uma cor atrativa.

Não adianta nada alindar o edifício por fora, se por dentro estiver a caír aos bocados. Mas aqui tive outra ideia. Que me interessa um homem que apenas se entusiasma com a fachada? Eu quero alguém que aceite viajar comigo . Eu quero alguém que se sente no banquinho que tenho no coração e converse comigo e me faça companhia . Eu quero alguém que beba um vinho comigo. Eu quero alguém que me ame como eu sou. Eu quero alguém que me deixe amá-lo da maneira como eu sei fazer. Uma entrega livre, total, incondicional.

Então, lembrei-me da lenda de Dédalo. Eu vejo a vida passar á minha frente, mas certamente, a vida não me vê a mim, por me ter encarcerado no meu próprio labirinto, que ao longo dos anos fui construindo á minha volta. Como saír daqui ? Construindo um par de asas seguras e robustas, com materiais resistentes ao calor e á água. Não cometerei o mesmo erro de Dédalo que construíu para si e para seu filho Ícaro, asas com penas de gaivota, coladas com cera de abelha. De qualquer modo, o erro não foi de Dédalo, pois que este se salvou devido á sua sabedoria. Contudo advertiu Ícaro dos perigos de voar perto do sol ou do mar.

Ícaro na irreverência da juventude não fez caso das advertências e conselhos do pai. Na sua ânsia de aventura voou muito perto do sol e a cera derreteu e o estouvado rapaz caíu no mar Egeu e morreu.

Eu vou construir as minhas asas e vou em busca do que me faz falta. Vou em busca do que me preenche e me completa. Voarei com prudência, mas com afoiteza. Não quero ver a vida passar. Quero caminhar com ela passo a passo de mão dada.

As asas ficaram prontas e chegou o grande dia. A emoção era muita. Depois de aparelhar as correias da envergadura, passando uma por baixo dos braços, rodeando o peito e outra na cintura, chorei!

Chorei de satisfação, emoção e não nego que algum medo do desconhecido. A vontade suplantou o medo. Não nos devemos deixar vencer pelo medo. Se vencermos o medo, que é algo que Inconscientemente fabricamos na mente, então conseguiremos vencer todos os desafios.

Vale muito a pena conquistarmos o que nos faz bem. Estamos neste mundo, para sermos felizes.

Afinal ser feliz é tão fácil. Nós é que gostamos de complicar!

©Maria Dulce Leitao Reis

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Maria Dulce Leitão Reis
Enviado por Maria Dulce Leitão Reis em 19/08/2020
Código do texto: T7039943
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