ENCONTRO SOBRENATURAL
Joaquina sempre foi uma mulher alegre, trabalhadora e amiga do seu amigo. A sua vivacidade e energia eram assombrosas. A alegria contagiava todos á sua volta. Era uma mulher honesta, trabalhadora, desembaraçada e rija como um pêro. Chegara aos sessenta anos sem nunca ter tido uma doença. Uma doença grave é claro, porque de vez em quando, lá tinha uma constipaçãozita, que ela curava com chá de alecrim, cascas de cebola, um limão cortado ao meio e mel. Fervia esta mistura durante vinte minutos, deixava repousar cinco, coava e bebia bem quente. Ela dava-se bem com este chá. Ao fim de dois dias, estava de novo fresca como uma alface. Esta mezinha, tinha na verdade um efeito milagroso.
Joaquina era o oposto da irmã.Tinha uma compleição forte e saudável e ria muito. As suas sonoras gargalhadas eram contagiantes. Ao pé dela ninguém estava triste. Lá tinha as suas tristezas, mas estavam enclausuradas dentro de si. Nunca deixava transparecer o mais leve abatimento. A alegria era a sua defesa. A irmã porém, era franzina e muito comedida suas manifestações de afecto. Joaquina era uma mulher esfuziante. Mais sentimento, mais sensibilidade, ao passo que Amélia, era mais racional, embora de vez em quando, desse um ar da sua graça.
Quando era moça, apaixonou-se por um rapaz da terra. Namoraram cinco anos. Eram unha com carne. Quando já estavam nos preparativos para o casamento, aconteceu o inesperado. O Américo disse á Joaquina que precisava muito falar com ela.
- Então fala homem, que ainda me matas do coração com o suspense.
- Joaquina, tu sabes que eu gosto muito de ti, mas não posso casar contigo. A culpa não é tua. Tu tens tudo para fazer qualquer homem feliz. O problema, se é problema, está em mim. Lutei quase toda a minha vida, contra esta vontade. Sei que foi errado, no fundo servi-me de ti, mas eu queria muito combater este desejo, entregando-me ao teu amor, mas...
- Fala homem, desembucha por amor de Deus!
- Agora disseste bem, por amor de Deus e é precisamente por amor a Deus, que eu não me posso casar contigo. Eu amo a Deus e quero ser padre.
Joaquina ficou pálida. Foi como se tivesse levado um soco no estômago. Depois quando passou o choque da surpresa, aceitou. Com muito custo, mas aceitou. Não tinha como não aceitar, não podia lutar contra Deus, não podia ser sua rival!
Os anos foram passando e nunca mais viu aquele, que foi o seu grande amor, mas soube que se tinha ordenado padre e partido para África em missão. Joaquina guardou esse amor no coração e com letras gravadas a fogo, imortalizou-o na alma. Nunca mais amou outro homem. Não podia e não queria. Tinha os sobrinhos, a quem ela amava, como se fossem seus filhos.
Dedicou-se a espalhar o bem. Dedicou a sua vida aos outros. Fez-se voluntária e abraçou a espiritualidade. Tinha sempre um olhar terno, uma palavra amiga e um sorriso acolhedor para todos. Descobriu outra maneira de viver a vida e ser feliz. Ela acreditava piamente na vida depois da morte. Já a irmã, com quem vivia, ria-se quando ela falava dessas coisas. Não levava esse assunto a sério, só isso, mas também não ia contra ela. Amélia tinha muito respeito, amor e carinho pela irmã. Sabia o quanto ela tinha sofrido e quanto tinha lutado para apaziguar a sua alma e o seu coração. Sabia que agora era feliz, entregue ás suas causas e ás suas doutrinas.
Joaquina acreditava na vida espiritual e o pensamento que iria encontrar o seu amor no Além, começou a tomar conta de si. Ela acreditava nisso. Só não percebia porque é que agora repentinamente, esse assunto que ela catapultara para a masmorra do esquecimento, voltava a vir á tona. Percebeu isso pouco tempo depois. Estava ela entregue á sua meditação, quando começou a sentir o cheiro e a presença do Américo. Jamais conseguiu esquecer o seu cheiro. Ficou-lhe colado na pele e diluído no sangue. As narinas dilataram-se, para inspirar aquele saudoso e inesquecível odor. Sentiu-se em paz e apoiada perante aquela visão tão serena, como se tivesse sido possuída por ondas de energia que a tornavam tão leve, tal como um balão cheio de ar quente, que sobe sobe até tocar as mãos do seu amor. Era ele que estava ali! Também não se esqueceu dela, mas aprendeu a compreender, que antes do encontro final, ambos tinham coisas mais prementes e importantes para fazer.
- Joaquina, finalmente regressei a casa e foi isto que te vim dizer. Estou aqui á tua espera. Espero por ti o tempo que for preciso, o tempo que te falta cumprir aí em baixo, porque aqui em cima, não existe o tempo! Falo em linguagem terrena para que possas compreender. Agora, eu posso ver que somos almas gémeas. Nós estávamos desde o princípio predestinados um ao outro, mas não nesse tempo material, mas sim na eternidade, onde te espero serenamente e onde a felicidade não tem fim. Aqui não há dogmas nem crenças, nem raças nem cores, nem tratados nem leis! Aqui é o encontro das almas no seu estado puro. As impurezas volatilizam-se todas, durante a travessia. Agora só te queria dizer que estou em casa, á tua espera de alma aberta. Não tenhas pressa e não fiques ansiosa, tens que cumprir o tempo terreno que ainda te resta. Aqui nao existe o tempo, vivemos num eterno presente, amo-te. E com estas palavras se foi.
Joaquina permaneceu em estado de felicidade interior. Quem olhasse para ela, garantidamente notava algo estranho. O corpo estava hirto e o rosto pálido e inexpressivo. Amélia estranhou a irmã. Nunca a tinha visto assim e chamou-a preocupada.
- Joaquina! Joaquina! Tu estás bem?
Joaquina estremeceu e desceu á terra.
- Mana tu estás bem? Fiquei preocupada contigo. Parecias uma morta-viva!
- Estou bem Amélia. Tu nem imaginas o que me aconteceu. Tive um encontro com o Américo. Já morreu e agora veio visitar-me.
- O quê?!
Joaquina contou á irmã a experiência sobrenatural que acabara de viver. Amélia arregalava os olhos, ora de espanto ora de incredibilidade.
- Olha Joaquina, tu sabes que eu não acredito nessas coisas e que fico assustada. Se não fosses minha irmã, diria que estavas bêbada ou tolinha. A gente quando morre minha querida, acabou. Eu sou como Tomé, ver para crer!
Joaquina tinha um sentido de humor apurado e gostava de brincar com a descrença de Amélia.
- Prometo-te que quando morrer, te visitarei, tu que não dás o devido valor à existência depois da morte – afiançou ela, com um sorriso nos lábios.
- Ah, sei o que tu queres, matar-me de susto – retorquiu também a rir
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©Maria Dulce Leitão Reis