NUM DÉBIL CANTO
A chuva cai no seu ruído silencioso e os passarinhos a espreitam algo assustados.
Parece até que já a tinham esquecido...
Fazia tempo que gotas duma mansa nuvem não lhes espargiam breve alívio carinhoso e refrescante sobre suas asas de tantas penas.
As árvores, por ora, balançam suas folhas empoeiradas como se estivessem a se livrar do peso do momento; e um verde insólito e judiado brilha sob um céu vintage, nublado de luzes foscas.
Eles sentem saudade daquela natureza lustrada...
Os passarinhos, por vezes, ecoam seu pio de inverno ressequido por dentre os tempos paralisados de ações de vida.
Passarinho só sabe enfeitar.
Então, recolhem as asas como se recolhessem o mesmo oxigênio sujo que nos sustenta a todos na rarefação de todos os ares.
Os passarinhos não entendem de Homens tampouco de seus isolamentos.
Nunca souberam sobre seres microscópicos na invisível e predadora cadeia alimentar das vidas.
São só breves andarilhos dos céus, felizes seres de liberdade esvoaçante, delicados projetos de vida que sobrevoam tragédias explícitas e ocultas e, decerto, não foram projetados para o desgaste da sépia insustentabilidade planetária.
Então...eles sempre cantam, ainda que debilmente cantantes.
São seres de vida plena, com vozes de liberdade ambulante ameaçada pela desumana displicência humana que cega toda a biodiversidade da Terra.
Um débil pio me trouxe até aqui e é aqui, em plena reverência de dor compartilhada, que eu lhe ressoo a minha homenagem piante.
A chuva já cessou. Foi como miragem. O silêncio que paira é decisório.
Ouço que ele me devolve mais um canto, agora fortalecido de sentido.
Então, crio asas e coragem para alçar mais um voo, sobre o sempre imprevisível e desconhecido tempo.
Pio e plaino minha liberdade pela atmosfera aliviada das tantas impurezas.
Porque todo passarinho é assim: só sabe cantar e sobrevoar... para o milagre de ainda existir.