A MISÉRIA
A MISÉRIA
Certo há muita miséria.
Não somente a miséria que vem da esterilidade da Terra, mas a Grande Miséria, a que vem de esterilidade das almas e da dureza dos corações.
O mundo é velho e a humanidade – mais renovada do que a folhagem das árvores e mais ceifada e recrescida do que a erva dos prados exaustos – muitas vezes padeceu fome e, muitas vezes, teve essa fome satisfeita.
Mas a miséria perdura, graças aos miseráveis.
Em vão, pretende o homem esquecer. Cada vida e todas as vidas transcorrem para o grande tema da miséria infinita.
Em vão pretende-se ocultá-la no silêncio ou numa ilusão, ou sob alguma mentira. Prontamente todos serão substituídos como folhagem das árvores e como a erva dos prados. E os que vierem e crescerem hão de contemplar sempre essa imensa aflição.
Há as que procuram desaperceber-se.
Quando o pássaro perseguido não pode fugir, esconde a cabeça para não ver, na suposição que evita o perigo.
Mas a inteligência do homem deve sempre sobrepujar a do pássaro.
Não encontram luz os que buscam paz nas trevas.
Consideramo-los, a estes, como os mais necessitados.
Os demais olham e procuram ver, com os olhos que parecem duas grandes lágrimas, e quando a morte lhes oprime as pálpebras, sua última visão é a do mundo rodando tal uma lágrima no vácuo.
Dentro, no lar, na alma, há calor. Fora, o ar está gelado e as vidraças cobertas de orvalho.
Pensam alguns que não haveria miséria se todos trabalhassem.
Pensam bem, mas poderiam pensar melhor.
A soma do trabalho coletivo supera as necessidades da espécie humana.
Mas todo homem encerra deficitariamente o balanço da vida.
Todos os povos vivem com escassez de pão e de alegria.
Toda a civilização tem perecido às mãos da desgraça.
Não bastará por consequência, suprimir os ociosos.
È necessário que o trabalho seja distribuído equitativamente.
A falta de coordenação do esforço é outra triste realidade.
Espantosa guerra, a que travam os homens no trabalho.
Desenvolvem suas atividades em órbitas separadas, em centros diversos, de forma que nos pontos em que tais órbitas se cruzam, as atividades se destroem. Assim quem tem de gastar cem calorias, gasta mil. O excesso é empregado para prejudicar o esforço de outros trabalhadores.
Considerem-se em cada indivíduo, fábrica ou empresa os monstruosos sacrifícios consagrados ao malogro da obra alheia.
Fracassará a luta contra a dor enquanto tudo isso não seja bem compreendido, enquanto dure a grande Miséria que vem da esterilidade das almas e da dureza dos corações.
MDLUZ