ALEGORIA DA INAUGURAÇÃO DO POEMA

Aprendo um pouquinho mais todos os dias, visto que a cada nova leitura, ao natural, surgem novas dúvidas, portanto, novos questionamentos. É assim que a Poética vive em mim: nunca dorme, está sempre desperta, porque a sua aparente inutilidade é receptiva aos que a buscam, à conta da veracidade em plenitude como explicação do mundo que nos cerca. Nessa ordem e medida, em meio à inquietação reinante, justo e singelo exsurge o poema. A farsa, a fantasia e o sonho, aliados à intuição e à inventiva, combinam um novo salto de qualidade para o desabrochar dos sentires. Decidem compor um poema pleno de Poesia, bem-falante, voz potente, o arauto de Zeus a proclamar o amor do rei sobre todas as coisas dispostas no mundo, com olhos bichados de espanto, a vertente a descoberto, águas incontidas, um salto sobre as pedras, uma cascata ronronante, uma cachoeira que se despenca, um torvelinho de águas e ventos, o rio copioso de correntezas, de apreciável profundidade. No mais, de súbito, aparecidas musas nuas, todas elas, mergulham e se afogam de ventos, de frio, de temores e medos. De repente, pálida e toda molhada, uma das que se cria finada por falta de ar para respirar, agarrada a uma raiz fininha, começa a recitar, humildemente, um poema à Ave Maria. E o fim de tarde medonho cobriu-se de noite e se desfez em silêncios. E a nobreza de Zeus de nada ficou ciente, porque assim é que o mistério se apresenta e se consome.

MONCKS, Joaquim. POESIA A CÉU ABERTO. Obra inédita, 2020.

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