O PARADOXO DO POETA NÃO-ESCRITOR E DO ESCRITOR NÃO-POETA (ALÉM DO LIMBO CHAMADO TRADUTOR)
Tradução de Evaine Le Calvé Ivičević
“Raros são os tradutores literários para quem traduzir é a principal (ou única) fonte de renda: a maior parte do tempo, eles exercem qualquer outra função intelectual, comumente nas universidades – salvo que raramente são escritores. Basta consultar as bibliografias dos autores para atestá-lo: os escritores <escrevem por conta própria>. Quanto aos tradutores, malgrado tenham o talento imprescindível à tradução, falta-lhes o talento para criar. Observemos quão ingrato é o ofício do tradutor: traduções demandam um esforço considerável e são mais ou menos bem-remuneradas, dependendo do contexto – mas o notável da carreira é quão poucos dentre os tradutores gravam seu nome na posteridade. As maiores exceções foram os primeiros tradutores da Bíblia, por motivos óbvios. Como lembra Géher, ninguém lê um livro <porque foi traduzido por Fulano>, mas sim <porque foi escrito por Cicrano>. Os grandes tradutores são, desta feita, pouco numerosos: na França, Baudelaire só se tornou um tradutor de renome porque além de traduzir era também um enorme poeta; na Polônia, Tadeusz Boy-Zelenski só atingiu fama imortal por ter sido quem traduziu sozinho quase toda a Literatura francesa que realmente interessa: Montaigne, Descartes, Pascal, Rabelais, Molière (a obra completa), Chateaubriand, Stendhal, Proust, Gide, Balzac (a obra completa), e ainda outros! Fora isso, o próprio Tadeusz nada era senão um escritor autoral medíocre.
Sendo assim, os escritores não são tradutores – isto é, com a exceção dos poetas. O insólito da situação do poeta é que ele assina traduções de línguas que não conhece (conhece muito mal, comparado com os tradutores por vocação). Na verdade, quando poetas se aventuram a traduzir, não são tradutores, são <poetizadores> de textos anteriormente traduzidos por tradutores não-poetas (na terminologia de Meschonnic, o poeta fala uma língua, o tradutor fala um texto). O autor (escritor) se insurge (com razão?) contra esta prática, que encerra uma vasta gama de problemas filosóficos e metodológicos, os quais por si só já mereceriam livros e mais livros.”