crônicas de insônia - 1
O sentimento de não pertença à nada é às vezes como uma tristeza cinzenta e densa agarrada com força aos meus olhos. Como a criança que não quer sair do colo da mãe num momento de medo, esse sentimento se prende a mim e se escapo às mãos desesperadas, ele se prende em minhas olheiras, em minha boca seca, ou em meus cabelos. Descrever ou tentar entender a sensação é como remexer num lamaçal, você enfia a mão leve, limpa, disposta e com nobre intenção, e sai cada vez mais sujo, pesado e talvez acabe até mesmo afundado. Esse lamaçal reside no meu peito, então todo dia eu sinto que vivo em afogamento, subindo à superfície de sonhos, nostalgias e possibilidades distantes para tomar um ar apenas para imediatamente ser sugada de novo à poça escura e indefinida. Indefinida porque há muita coisa residindo ali e a cada dia eu trancafio mais um ou outro desejo, mais um ou outro demônio, mais um ou outro suspiro. Não dou tempo para a coisa se entender. Não tenho tempo para dar.
Às vezes penso que cresço e aumento de tamanho como reflexo de tanto sentir e de um sentir tão confuso. Reconheço com pesar uma criança machucada apenas começando a caminhar e eu mesma já tenho uma aqui fora, de expressão, amor e cores que eu nunca vi e embora eu seja grata e este seja o ser que eu mais amo na vida e pelo qual facilmente daria a minha vida, tenho medo de contaminá-lo com esse meu peso, essa lama toda correndo nas veias ao invés do meu sangue.
Penso muito em escrever de forma agradável, leve, e quem me vê me acha delicada, tranquila, coisas que eu não consigo enxergar e acho que isso tem muito a ver com o fato de eu me sentir e poder ser quem eu realmente sou quando escrevo e por isso mesmo às vezes me freio e evito me expressar pelas palavras. Quero escrever ficção, já maquinei inúmeros personagens e narrativas, mas me sinto incapaz de criá-los na palavra. E assim fico cada vez mais em silêncio, silêncio na fala, silêncio na escrita, mas nada perto do silêncio meditativo e de cura. É um silêncio que também tem raízes naquele lamaçal e que diariamente me envolve em seus braços e me gira calmamente, tecendo em mim paredes de brancura que, ironicamente, não conseguem ser manchadas por tudo que eu precisaria dizer.
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