Anatomie de la solitude.

(Milton Pires)

Que estado fascinante, que situação interessante, meu Deus, esta gerada por um desiquilíbrio bioquímico que me faz estar “deprimido”...que milagre este das outras sinapses, dos outros mediadores todos que me dão consciência do meu estado...da minha tragédia, da minha solidão…

Eu me sinto assim num “Desassossego” de Fernando Pessoa, num “Tempo” de Clarice Lispector que me fazer escrever, ou por aforismos, ou num fluxo constante de pensamento, numa Porto Alegre-Dublin em que Pessoa é meu pai e Clarice minha mãe...

Eu estou num dia 16 de junho eterno, chuvoso, ventoso...que pouco me importa se já é passado, porque se escrevo aqui é para deixar a ideia de que não tenho passado, nem presente, nem futuro…Ulisses eu fui, eu sou, eu hei de sei, mas um Ulisses que não tem para onde voltar, que não sabe por que voltar…que nunca partiu...

Aqui quem escreve, meu caro leitor, não sou eu...talvez mais bem eu devesse dizer que é a consciência de mim, desse outro eu que não tem pudores de atropelar, de interpelar e de se interrogar sobre os erros e acertos, paixões e desamores...tantos amores, meu Deus …que ele visualiza nos cumes das mais altas sensações, pensamentos, lembranças …

É... e nem que sejam os “Cumes do Desespero” das montanhas de Cioran, nem que nada resulte sóbrio, racional, lógico naquilo que escrevo sobre o que penso de mim e do que não está em mim...ou que as Ficções de Borges tenham que me parecer reais, exatas na medida dessa minha vida nesse momento...aqui, agora, nessa hora em que até não ter do que se queixar pode ser motivo de queixa…eu escrevo...e isso me alivia...

O deprimido é aquele que “está triste sem saber por que”...e é mais o não saber “por que” que o faz homem triste; não essa tristeza em si, essa tensão, essa melancolia existencial imanente a qualquer consciência isolada de tudo e de todos que anseia pelas explosões provocadas pela colisão das galáxias no espaço-tempo, pela fúria do coito com a mulher amada que vai rebentar na vida, pelo desespero de um sentido para a morte sem sentido ...ela, em si mesma, uma explosão de sentido para qualquer consciência que fica perante outra que desapareceu do seu mundo do seu tempo, do seu lugar...do seu radar de dor…na praia qualquer de uma cidade da Argélia...onde eu era “Estrangeiro”...

Eu me interrogo não sobre o que fiz nem sobre ou que deixei de fazer, muito menos se estava certo ou errado ao fazer, ou querer...mas quem era aquele que fez, quem era aquele “eu” que não existe mais agora, nem daqui a segundos, minutos, depois de terminadas estas letras…

Para onde foi este outro eu que não existe mais é pergunta menor...Tão somente eu queria saber de onde ele veio, como se formou, como ele foi possível no primeiro “eu” que se levantou e caminhou pela Terra...fugindo do próprio medo, da fome e do frio... implorando pelo amor...pelo calor de alguém...

Toda origem da tragédia grega é a racionalização do conflito provocado pela ideia do “Destino” planejado pelas Moiras e pela noção socrática da vontade justa... da “Ação Livre”, do ato de virtude que pode dar um sentido para vida maior do que aquele pensado por um algum Demiurgo que não tem História...

Para este Demiurgo não haveria Moira alguma usando a Roda da Fortuna para tecer os fios da sua Sorte, não existiria passado nem futuro, somente um eterno presente, ato puro de perfeição que não guarda em si qualquer potência de “vir a ser”, que nunca “foi”... mas que simplesmente É…

Eu sou um menino francês com menos de 10 anos de idade...adormeço no meu quarto em 1909...Toda luz que ainda enxergo vem de uma velha lanterna chinesa que minha mãe comprou e deixa acesa depois de ler Proust...

Chove lá fora…Na lanterna, os ideogramas dizem que “o Tempo não Existe”

junho de 2020.

cardiopires
Enviado por cardiopires em 30/06/2020
Reeditado em 30/06/2020
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