Nonagésimo nono dia
"A quarentena de um poeta"
Nonagésimo nono dia:
No momento em que tudo demonstrara que o inimigo estava estafado e querendo ir embora, a imunidade de rebanho numeroso fora lhe dada de bandeja. Bastara aguardar alguns dias para ver o preço pago pela maldade dos que o atiçaram.
As praias do meu Rio de Janeiro estavam lotadas como se fossem uma colônia de férias dos adultos em ritmo de carnaval. As regras de distanciamento foram quebradas e as desrespeitosas criaturas entravam em uma aventura perigosa.
Aumentava-se cada vez mais as pegadas na areia e fincadas de barracas para abastecer e refrescar os corpos dóceis que foram facilmente convencidos pelo capitalismo. Somente um fato poderia me tranquilizar: O bando inteiro estar imunizado.
Então eu compreenderia aquela festa de comes e bebes nos bares improvisados da orla.
Eram duas classes a degustar da beleza do mar que batia suas ondas fortes a jorrar o sal em seus pés. Uma, a ser a dos mais necessitados, era composta por banhistas desprotegidos do sol e outra, por observadores da natureza assentados sob guarda-sol.
A busca constante do prazer era comum e ninguém se importara com as consequências.
A volta para casa em seus ônibus lotados era o maior desafio e seria o teste fatal para sabermos se realmente estávamos a vencer a guerra. Os hospitais precários estavam em prontidão para uma grande remessa e eu torcera veementemente para que eles continuassem a tratar apenas dos que ainda tinham espaço para respirarem.
Entretanto, eu soubera que um time inteiro de jogadores de futebol do bando de loucos havia se contaminado, o que levara a pensar que o escrete seria salvo pelo recurso gigante que estivera sempre à beira de suas atividades, uma ambulância equipada de plantão.
A classe social "C" e "E" retratava a desigualdade, contudo havia o grupo "A" que mostrara um gigantesco disparate e que posicionado no pico da pirâmidade da nossa sociedade era o principal responsável pela abertura da porteira que confinava os gados domesticados.
Em suma, para se salvar a economia do rico, fora exigido o risco do pobre.
A sociedade do espetáculo
O mundo é um espetáculo
Os nossos olhos são a plateia
Diante da luz dos diodos
Os artistas, uma alcateia de lobos
Assistem-se ao escarcéu
Sentados diante da mesa
E no fundo do prato
Comida e tristeza
Não há mais sentido
Tragédia sem catarse
Comédia sem risos
Não nascem sisos
Ao redor do haveres
Protagonistas dos azes
Seres da mesma espécie
Como canibais vorazes