A solitude - ato I

Uma vida inteira de lutas contra um corpo insano e teimoso. Aroma de álcool e éter entranhados nas narinas há tanto tempo, que já nem sai mais. Vez em quando compro daqueles perfumes amadeirados para sentir novos aromas. Gosto dos aromas. O de café da manhã é, praticamente, orgástico. Uma loucura. Às vezes, vira até poema dedilhado no meu violão. Degusto um gole aqui outro ali. Início com café e termino com vinho. Após o crepúsculo. Quando o sapato aperta, corro para uma dose de gin, Quintanas e Clarices. Desde que aprendi a enviar áudios etílicos, visto-me de poesia noturna. Tem noite sepulcral e tem noite de amor. Ambos fazem par com o exílio dos meus dias. São exatos cem dias. Um isolamento que nunca se acaba. O mundo se acaba, mas ele não. # hastag. Enquanto isto limito-me a sonhar com o beijo imaculado que o mundo reserva-me, co'a promessa de acalentar-me a sentença malfadada deste cárcere cruel e vejo o noticiário dando close em ruas lotadas e shoppings saindo gente pelo ladrão. A minha saudade fermenta nas entranhas da alma e minha revolta multiplica-se aos passos largos. O consumismo alucinógeno mantém-me em sentença infinita. Preso nesta cela onde me vejo, desejando tão somente aquele beijo.

 
texto e fotografia de @leaferro - in: a solitude, ato I.
Léa Ferro
Enviado por Léa Ferro em 14/06/2020
Código do texto: T6977147
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