Nonagésimo dia
"A quarentena de um poeta"
Nonagésimo dia:
Queríamos dar continuidade àquele dia tão especial para nós e a manhã de sábado estava a ser uma tentação. Fora o nonagésimo dia da nossa quarentena e com a flexibilidade de circulação de pessoas em nossa cidade, resolvemos voltar para o nosso ninho onde o lugar me convidara sempre para a ventura. Ao chegar ao teto da minha paz, ixoras me desejaram felicidades a me cumprimentar na manhã com sua beleza de cor não pura e eu recebera da janela os raios de sol que penetraram no meu café a me chamar para a orla do mar que há tempos me aguardara. Houvera o cheiro de mato molhado que viera da mata que arranhara o céu e sombreara o véu de águas geladas a me encantar. Os saguis se apresentaram como amigos a nos visitar na sacada a saudar a minha chegada e o dia prometera que seria ensolarado para que nós pudéssemos caminhar na praia. Todavia, eu e Maria não tivéramos coragem de encarar a primeira fase da liberdade, pois havia poucos pássaros a voar a nos dizer do excesso de carbono no ar.
Retornamos para a Baixada Fluminense onde a teimosia era maior, porém eu tinha espaço para realizar meus exercícios com segurança e na companhia do meu neto.
Durante o retorno eu passara por uma estrada que antes se avistara na beira gramada de um canal vários moradores de rua improvisados em suas casas de papelão a desejar nossas moedas em troca de uma breve limpeza de nossos parabrisas.
O lugar estava totalmente deserto, pois alguns retornaram para suas comunidades e outros foram abrigados pela prefeitura que ocultara o fato.
É a maldade dos capitalistas do topo que somam suas fortunas a desdenhar a pobreza que está no fundo do poço a nicles comer e a morrer de fome. A pandemia não os deixara mascarar esse fato e era necessário tirá-los do caminho e quando tudo acabar, eles irão voltar com a mesma água e sabão que os pouparam.
O poço
Há um poço profundo
Bem fundo
Onde a comida não chega
Somente se achega à morte
No topo, a mesa é farta
E desce a sobra do vinho
Que a classe do alto descarta
Nas cabeças de baixo
Na metade do poço
Há carnes de pescoço
Que comem o osso
A não querer racionar
E no último andar, nicles
Há o solo da penúria
Que se alimenta da fúria
A se inquietar