O ARAUTO DOS REDUTOS DO CAOS

Prenhe de zelos e denodo para com a poética palavra, recolho ainda tenso, porém feliz, a hipótese de haver conseguido chegar perto do Mistério – que se enclausura – para a catarse emocional lavrada em Poesia no âmago do poema, no momento propício para que venha a produzir a estranheza no poeta-leitor, levando-o a uma comoção atônita e/ou dilacerada. Comover o outro, o atônito semelhante, esse o efeito que pretende no receptor. Andejando às cegas dentro do cadinho da criação, sempre à procura da exata palavra, do signo verbal ritmicamente certo; o todo conceptivo de asas abertas sobre o plano paralelo em que se desenha a vida, enfim, surpreso e quase catatônico – num mundo criado só para ele – quando acontece a liberação imagética (liberta) que se abre ao sopro num cata-vento de açúcares. Bom que tudo isto viesse a ocorrer ao som das cítaras, dedilhadas por moçoilas sem o vício enganador de que o amor realmente existe. Talvez a musa investida do mágico poder de fazer o mundo mais humano e suportável a ponto de ser conviva entre o real e a sombra dele, entre o preto e o branco, o limpo e o sujo, entre o bem e o mal, fugindo ao racismo e à escravidão da cobiça dos bolsos cheios e o vazio estômago da infâmia de se saber vítima de não ter o que comer. Dia desses embarca num desses carros-de-ventania e definitivamente tonto, num átimo, voejará à eternal rosa-dos-ventos. Levará na boca a palavra mastigada com gosto de sangue placentário. Ah, doem-me os neurônios: sempre o caos a destilar o despido pensamento!

– Do livro inédito A VERTENTE INSENSATA, 2017/20.

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