DAS FLORES E PERFUMES

(a poética em tempos de pandemia)

Joaquim Moncks

A observação e a reflexão sobre os severos e empedernidos ciclos contemporâneos produzem o poema tristonho e perplexo. Todavia, este é o plano esperançoso de encontros com o futuro das momentâneas intempéries. Quanto mais tempo se vive, mais amplo é o foco na perspectiva de chegar próximo do intemporal final anunciado e não aprazado: o de estar próximo às margens do Rio Profundo onde começa o silêncio da eternidade. Plantemos flores e nos inebriemos com os perfumes. Afinal, teremos mais possibilidades de sentir além da palavra, que é flor misteriosa. Talvez o de ainda nos sabermos capazes de proteger a flor no espectro vegetal das alfazemas, acácias de cachos miúdos de florezinhas amarelas e suas cascas rugosas para a extração do amargo tanino. O olor de viver, por vezes, encanta e inebria. O olfato do sentir possivelmente nos dará algum prazer. Mesmo que não se possa fazer a costumeira última despedida. Há sempre o agridoce de ver e viver além. Neste estão os fetiches do transcender para desconhecidos planos. Mesmo que a lápide ratifique a passagem e reste uma flor sobre a lousa fria.

– Do livro inédito A VERTENTE INSENSATA, 2017/20.

https://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/6972331