Desatino II
Coloquei as lembranças no varal. Reabri as janelas. Passei um café. Sentei ofegante e reli jornais velhos.
Os morangos congelados ficaram livres do mofo, mas o amor passado ainda trazia até mim o cheiro de bolor.
Quisera ter esquecido dos nossos corpos misturados, dos beijos roubados naquela esquina, das promessas de que seríamos algo para além de tudo.
Quisera esquecer do teu toque, das tuas mãos ousadas, do teu jeito de se aninhar no meu colo como menino que quebra vidraças vizinhas.
Nada pude fazer.
Os anos se foram e eu não arredei pé daquela prosa numa noite fria sob a manta azul das águas salgadas do Rio Vermelho.
Fiquei naquele lugar. Sozinha. Solene. Cativa.
Levaste para longe os meus sonhos de menina, as minhas bobas esperanças de olhar o teto do quarto estando ao teu lado.
Nesse desvario sem fim, sinto o gelo nos pés, a falta que fazes e o nada que trago abafado no peito.
Quando você se foi, morri inteira por dentro. Era amor? Não sei. Não sei se o que tivemos chegou a ser um sentimento.
Talvez tenha sido apenas a canção do vento na minha mente em desatino.