Septuagésimo sétimo dia.

"A quarentena de um poeta"

Septuagésimo sétimo dia:

A cultura estivera no fim da fila no retorno das atividades, entretanto fora a primeira a se isolar e se manifestara através de um espaço miúdo sem o público presente.

O cenário de um espetáculo mudara a ser o próprio lar do artista que improvisara o palco na sua sala de estar. A luz do teto substituíra os holofotes das mãos a iluminar o show.

O guitarrista cedera a carreira solo a cantar a melodia do choro de seu instrumento, o bailarino exercitara seu corpo com o escopo de assistir o próximo, o fotógrafo expusera sua obra nas paredes sob olhar dos doadores de bênçãos, o cantor fizera a capela de suas belas canções e o poeta criara versos livres de saudades. A arte, isolada, prometera uma grande exposição que depois que a tempestade passasse, exibiria o maior espetáculo da terra com entrada franca onde não haveria acepções de pessoas.

A arte também era solidária a imitar a filantropia em ajudar os mais carentes sem tocar trombetas.

Maria desenvolvera o seu talento na cozinha e lançara ao fogo um combinado de iguarias do boi para o almoço, um outro tipo de cultura que durante a quarentena estava a se desenvolver.

A mesa fora forrada esplendidamente pelas mãos da artífice cozinheira a espalhar os pratos, copos e talheres ao redor da grande protagonista, a tão prometida buchada.

A fervilhar, ela recebera a concha de aço inox do braço de Maria que me servira como um mancebo da nobreza a se sentir realizada com seu feito.

O meu palato saboreara a arte culinária nas minhas garfadas destras e o meu esôfago a aprovara como um enólogo a contemplar o meu dia.

A minha cama aguardara um corpo estendido e farto dos degustes de Maria que sorrira a esperar meu sono para que fosse a guadiã dos meus pesadelos.

A arte

A arte é um dom

Que se opõe ao mal

Desde o tom da nota musical

Até as cenas de cinema

A poesia é verosimilhante

Como os nossos sonhos

É a imitante do amor

Ao olhar do leitor

No tablado há o espetáculo

É uma ópera assistida,

O drama da vida

Numa peça de teatro

A vida imita a arte

A arte imita o amor

O amor imita a flor

E a flor imita a vida

Ed Ramos
Enviado por Ed Ramos em 31/05/2020
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