Palavreado

Restaram-lhe as palavras, e acreditara que apenas elas eram realmente livres. Não as aprendera aos livros ou à cátedra, mas nos encontros com as gentes de todo o tipo. Crescera ouvindo atento as estórias que lhe chegavam, e destas foi compondo sua maleta de escrevinhaduras. Era ouvidor de estórias. Já grande, tornara-se um polidor de palavras, ofício nobre das gentes miúdas. Dizia que a palavra nunca está pronta. Esculpia uma a uma, incansavelmente, a dar-lhes a formosura necessária à produção dos afetos. As palavras também eram sua máquina de guerra. Vinham-lhe à cabeça e rapidamente saltavam da boca encadeadas na ânsia de criar outros mundos, desensinar os sabidos, sobreviver à peste e inventar coisas desimportantes. De tanto inventar palavras, desenvelheceu. As palavras haviam nascido para dar-lhe sentido à vida. E assim viveu. As palavras jamais deixaram-lhe morrer.