Notas diárias II
Minha mãe, em um dia desses, me contou que sentiu a sensação de ouvir o meu choro antes de sair de seu ventre. Algo muito diferente!
O seu corpo físico-emocional, naquele momento, experienciou o som do meu grito antecipado à vinda concreta ao mundo.
Talvez, isso diga muito sobre a minha personalidade, sobre o meu espanto de existir – de tantos modos.
Nos segundos pós-parto, eu estava entregue à vida, às questões presumidas que me caberiam posteriormente e com as quais precisei lidar.
Acredito que eu tenha me dado conta, em uma dinâmica sensível e sensitiva de um recém-nascido, do que é estar colocada nua, na minha aparente liberdade, desgarrada de todo e qualquer aspecto da existência.
Presa à minha referência materna.
Não há maior lirismo e poesia do que isso!
A partir do meu crescimento, estar diante de outras pessoas me fez notar as inúmeras facetas que me compõem para além da obviedade deste fato.
Não vou de encontro, como um confronto, mas é sobre ir ao encontro das adversas terminologias humanas.
É conhecer, mesmo que superficialmente, algum grau de profundidade interna nas relações.
É compreender os limites e ilimites da subjetividade, para dar sentido ao todo posto ao redor de mim.
Na verdade, essa significação talvez nem seja tão necessária, no entanto, a teimosia da busca é quase incontrolável muitas vezes.
Ainda mais em uma cabeça tão inquieta quanto a minha!
Esvair-se da pessoa que é traduz a melhor – para mim – maneira de se reinventar ao longo do nosso processo.
A cada segundo, minuto, hora, anos, envelhecemos e somos mais aquele outro desconhecido que nós próprios no princípio de tudo.
Isso é enxergar-se no seio da vida!
Hoje, vejo-me, ainda, dando os mesmos – provavelmente menos potentes – berros para o cenário no qual estou afogada.
Sufocada.
Inconformada, pois nunca irei conseguir me conformar.
Não desse jeito.
Basta olhar, com empatia e sensatez, para entender.
Perceber e aperceber-se é o suficiente.
Espanto de viver!