Como caem os muros
A descoberta virá num dia de chuva, num dia cinza, um dia pastoso. E será depois de um gole no café, que já vai estar frio. E acontecerá bem no instante entre o desânimo de coar outra xícara e a aceitação de que cafés, afinal, esfriam.
Entenderá, então, que os muros não desabam aos escândalos. Que raios não caem dos céus partindo-os em pedaços. Que não rolam em avalanches estrondosas. Que nenhum estúdio comprará os direitos autorais dessa queda.
Perceberá, com a língua seca do café e do momento, que os muros caem através de trincas bobas lá no meio, bem no meio, no centro de tudo. Uma trinca pequena assim, nascida dum estalo surdo, uma dessas rachaduras em que não cabem remendos e são sempre, num suspiro conformado, percebidas tarde demais.