Liberdade e suas facetas...

A liberdade é um anseio do homem, em suas instâncias psíquicas, sociais, religiosas ele deseja ser livre. Várias revoluções aconteceram para que a liberdade fosse conquistada, podemos citar a mais famosa de todas, a Revolução Francesa de 1789, que, entre hipocrisias e conquistas, conseguiram efetivar a declaração dos direitos humanos, dando direitos políticos, religiosos e sociais.

O conceito de liberdade vai ser relativizado por várias correntes filosóficas ou de pensamentos. Na Era Helenística na Grécia, por exemplo, o conceito de liberdade relativizar-se-á em duas correntes de pensamentos, Cinismo, e Epicurismo. Evidentemente há mais correntes, mas iremos nos dedicar a essas duas

A palavra “cinismo” ganhou uma conotação não muito atraente no mundo ocidental, significando alguém que não tem bom senso e que muitas vezes debocha de situações sérias. Mas, historicamente, essa conotação da palavra não é à toa. Cinismo vem do grego kynismós que significa “cachorro”, pois segundo seu precursor Diógenes, os cínicos deveriam viver como cachorro. É claro que essa frase causa espanto e estranhamento, mas há um sentido mais profundo do que a frase em suma. Os cínicos acreditavam que para conseguir a tão sonhada liberdade precisavam ir contra qualquer tipo de imposição cultural grega no que se refere aos costumes cotidianos, tendo como exemplo prático máximo o fundador da escola filosófica Diógenes que morava num barril de vinho.

Além disso, eles não se davam em casamento, pois acreditavam que o matrimônio privava sua liberdade. O cínico tinha como "ato libertado", ou seja, longe da imposição grega, contemplar a natureza. O sol, a lua, as montanhas, as árvores eram motivo de regozijar-se. Podemos dizer, então, que o Rubens Mendes é totalmente anti-cínico quando afirma na sua música “Quando te ví” o seguinte verso:

“Nem o sol

Nem o mar

Nem o brilho das estrelas

Tudo isso não tem valor sem ter você…”

Brincadeiras à parte, podemos perceber que o Cinismo tem uma característica de desapego às questões materiais, e nisso encontram a liberdade.

Outra corrente filosófica iniciou com Epicuro, o Epicurismo. Eles acreditavam que a liberdade era alcançada longe da dor e das perturbações, sendo atraídos, então, aos prazeres. Mas não era todo prazer que era satisfatório para os epicuristas. Fazendo então uma hierarquização dos prazeres, subdividem em prazeres com longevidade e sem longevidade, preferindo os prazeres com longevidade, pois acreditavam que o prazer precisaria ser duradouro, evitando as dores e perturbações. É só num clima de estabilidade, isto é, sem dor, que os epicuristas conseguem ter as boas sensações (prazeres) que contribuem para a produção do conhecimento, divergindo com Platão que veremos adiante.

Platão, na sua dualidade de mundos, compreende que a alma humana trafega em dois mundos. O Mundo Sensível e o Mundo das Ideias. No mundo sensível (equivalente às sensações epicuristas) o homem age por instinto, sem racionalizar, dando lugar aos prazeres carnais. No segundo, o Mundo das ideias ou da contemplação do divino, a alma é transcendida a uma instância divina, onde consegue racionalizar antes de seus atos. No segundo mundo está o que para Platão consiste em liberdade. Para melhor exemplificação, trago Tim Maia e sua música “Super Mundo Racional”:

“Todos vão voltar

Pro seu estado natural,

Vamos regressar

Pro super mundo racional,

Como era antes disso aqui descer.”

Ao ouvir a música “Carpe Diem” da banda Catedral, mais precisamente neste trecho:

“Quem chegou à liberdade da razão.

Se sente como um andarilho,

mas isso não está perdido.

Toda convicção é a crença de estar

Em algum ponto do conhecimento,

da posse da verdade incondicionada.”

comecei a pensar o que seria a liberdade cristã, o que seria de fato a “liberdade da razão” que todos anseiam chegar.

Jonas Madureira, no seu livro Inteligência Humilhada, em meados do capítulo 3 ou 4 tratará das referências que o homem costuma ter. As referências pelas quais baseamos nossa vida. A primeira referência é a referência baseada no outro. Desejamos ser o que os outros querem que a gente seja. Escolhem nossas músicas, roupas, gostos, cursos superiores.

Somos, então o outro dos outros; nos tornamos aquilo que os outros querem que nós sejamos. Porém, ao percebermos que não estamos vivendo a nossa vida, e sim a vida que os outros querem que vivamos, nos encontramos num beco sem saída. Percebemos a futilidade da nossa existência. Somos apenas o espelho dos outros.

Após isso, numa atitude desesperada, passamos a querer ser aquilo que realmente nós somos, não sendo o que os outros querem que nós sejamos. Ser quem realmente somos. A pergunta que fica é: somos de fato o que queremos ser? E caímos no mesmo vazio existencial quando não conseguimos ser aquilo que queremos ser.

O homem caído não pode encontrar em si mesmo referência para a vida, seja a referência baseada no outro ou baseada em nós mesmos. O exemplo que conseguimos identificar a ineficácia da auto-referência está na passagem onde Cristo afirma que o fim é chegado, e Pedro, tentando ser quem ele quer ser, diz que irá proteger seu mestre. Cristo, sabendo quem de fato Pedro era, disse que ele iria negá-lo três vezes antes do galo cantar.

A liberdade cristã está quando temos consciência de quem de fato somos, totalmente caídos, pois como afirma Paulo aos romanos: “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. E temos consciência de quem Deus é, totalmente santo e soberano. A partir dessa consciência podemos ser quem Deus quer que sejamos. Negando a nós mesmos, pegando a nossa cruz e seguindo-lo.

Caruaru, 19 de março de 2020