Sexagésimo terceiro dia
"A quarentena de um poeta"
Sexagésimo terceiro dia:
Depois de algumas perdas próximas, eu me desprendera do assunto "pandemia" e contava passo a passo as travessuras de Asaph e os lindos passos entre os cones de Maria que eram imitados pela rolinha-roxa que a seguia nas idas e vindas da cozinha de sua mãe. Era uma parceria da gastronomia carioca com a mineira e nunca pudera faltar o frango, a couve e o angu. A forma que seria feito o almoço não importara, o importante era que os três ingredientes estiveram sempre a fazer parte da nossa quarentena como reforço para aumentar a resistência de todos.
Toda vez que se ouvira a voz aguçada a entoar um pedido de comida, era a hora de arrumar a mesa ou o pequeno chefe iria começar a agitar o ambiente a tentar escalar a pia e o fogão. Ele era sempre o primeiro a ser servido e o último a terminar seu prato repleto de carne picada a qual dava prioridade a degustar. Os seus beiços estavam a ser castigados com o excesso de limonada e para fazê-lo ingerir o feijão e o arroz, tivéramos que lhe prometer o famoso suco de Danone, o nome que ele dera à jarra de iogurte.
Satisfeito, Asaph sentara frente a televisão de cinquenta polegadas na sala e pedira o canal Discovery Kids a esbanjar seu inglês tão corretamente que era impossível lhe negar a ordem do patrão.
Chegara mais tarde a hora do programa predileto de Maria Alice e mais uma vez cedemos o seu sumo predileto para que o espertinho fosse assistir aos desenhos em nosso quarto. Ouvíramos seus escândalos de risadas, mas não poderíamos fechar a porta e de repente numa velocidade de um trem bala surgira Asaph com o lençol da cama sobre os ombros a voar sobre o sofá e pousar entre nossas pernas entrelaçadas.
- Vovô, Vovó, sou um super-herói desajeitado que não sabe voar.
Dissera o menino de apenas quatro anos de idade que possuíra uma notável capacidade de letrar.
Ao entrar a noite, no canto da sala, o travesso cobria com seu corpo agachado os seus rabiscos na parede e desprezara uma reprise desenhada na tela e para mudá-lo de ideia fora lhe oferecido a mesa de jantar e uma folha de papel sulfito. Ele subira na cadeira e elegantemente mostrara sua destreza a grafar um grande "X" na lauda inteira o que nos levou a tentar interpretá-lo. Alice matou a charada e Asaph confirmara:
- Eu vou pregar o papel lá fora no portão para o coronavírus não entrar na nossa casa.
Confinara-me, depois dessas emoções, na escuridão do meu aposento à procura do meu sono e quando a porta se abrira, a luz se acendera e a voz do menino dissera a mais inusitada mentira:
- Vovô Pico, o monstro vai ficar preso dentro do espelho e a luz vai apagar.
O protetor
No silêncio da noite, eu
A cada, havia uma demora
As imagens do dia
Os que foram embora
A lua tão distante
A observar a minha melancolia
Sabia do meu instante
A me confortar
De repente o ruído da porta
Corta a outra dimensão
É um menino a entrar
A me trazer de volta a ficção
A palpitar que no espelho
Deve o monstro entrar
A me fazer dormir
Quando a luz se apagar