Sexagésimo dia
"A quarentena de um poeta"
Sexagésimo dia:
Um país nórdico com dez milhões habitantes e de infraestrutura invejável não fora uma boa comparação para o líder que insistira no isolamento vertical. Sua ciência não era exata, pois proporcionalmente houvera muito mais mortes durante o período de afrouxamento da política de distanciamento social, o porquê de voltar atrás e aceitar a quarentena. Um povo constituído por uma vigésima primeira parte do nosso tivera a condição de todas as pessoas serem testadas, o que seria uma estratégia perfeita contra o avanço do inimigo, e mesmo assim tivera um resultado catastrófico para os que possuíam uma completa garantia de saúde.
O meu Rio de janeiro estava a ser massacrado, ultrapassara a soma de vários países europeus em números de mortalidades, e um morador ilustre da maravilhosa cidade continuara a insistir em liberar serviços que para ele era necessário, o que não pensara a maioria dos que governaram.
O dia estava a ser agitado, iniciara-se com uma medida de autoproteção e terminara com o encontro entre a mão e o cotovelo. Um armistício seria talvez somente uma pausa na disputa de poderes e um episódio de pacificação surpreendera os especialistas que estavam a tratar de outros assuntos paralelos os quais alimentaram polêmicas num jogo ao vivo de apostas. Um ponte abraço era filmado silenciosamente por alguém contratado para divulgá-lo. Neste ritual, os ombros se uniram enquanto a parte mais abaixo do corpo ficara totalmente afastada, o que determinara a falta de intimidade. Era o movimento mais sem graça, e que não geraria nenhuma conexão.
Mas o que me chamara a atenção naquele dia tumultuado fora um grito de guerra via vídeo conferência contra o que governara o lugar pleiteado a se titular: O Estado do Futuro. Eu não me surpreenderia se depois da guerra houvesse um pedido de desculpas a toda população arrastada para o caminho dos abatedores, um vale estreito de uma cidade antes uma mata de grotas largas.
Selva de pedra
O que era mata virou pedra
Os rios e suas águas usadas
A virar asfaltos e latrinas
Águas impuras e escoadas
As nascentes dos rios a vanescer
Os nativos a não mais se banhar
Nas fontes de águas limpas
A seus sais renovar
Guiadas pela praga do capital
Dragas gigantes a aplainar o sítio
Basculantes a despejar barros
E ao redor betoneiras a dançar
Nascia o piche, o cimento e a brita
Arena dos pegas dos pivetes
Que antes eram os rios
Dos nados dos moleques
E no subsolo, as pepitas de ouro
A misturar-se ao escremento
Em direção ao sumidouro
É o despacho dos apartamentos