ruínas
Mora nos escombros de todas as antigas casas a vontade de casa que ela tinha. Embaixo dos rebocos as digitais das gentes dessa casa. Nos vãos das janelas derrubadas a vontade de dia e dentro das paredes ocas os segredos contados pra ninguém.
Nos escombros de um prédio mora a tristeza da proibição dos bichos. Nas paredes conjugadas quarto-a-quarto a vontade de gemidos altos. A vontade de andar nua mora embaixo da cera do terraço derrubado. Nos ferros envergados da antiga escada muita vontade de elevador.
Se respirar bem, nas ruínas duma antiga biblioteca saberá que ficou impregnado tijolo a tijolo o cheiro velho dos livros que ninguém abria. E que talvez encontre livros no lugar de pedras.
No terreno cercado querendo ser shopping, tantos escombros cabem nele. As paredes duma escola primária, nelas moram o abecedário e o cheiro do lanche dos meninos; nos rebocos das pilastras de uma antiga igreja tanta fé e tanto grito pra Jesus ouvir; um restaurante que faliu dois meses depois de abrir, se caçar bem nos troços de mármore tem tanta divida e tanto sonho; e nas ruínas dum hospício gritos, mas também silêncios.
Nos destroços de uma construção abandonada que foi pouco a pouco se transformando em casa, veja bem, se bem procuras podes achar gente.