As regiões sombrias
Existe em mim uma região sombria onde meus mortos vivem.Eles acordam enquanto durmo e assombram meus sonhos. Saem das águas crepusculares de minha infância. Ora acordam em lagoas tranqüilas, ora em rios tumultuosos e às vezes, mas isso é muito raramente, brincam nas ondas vadias dos mares noturnos. Familiares e amigos se encontram e buscam a minha companhia. Se juntam como se estivessem posando para uma foto.Eu quero ir ter com eles, visitá-los em sua morada, mas quando tento, as águas se cristalizam. Há um limite, dizem, que não podemos ultrapassar. Você daí e nós do lado de cá. Não se afobe, um dia você estará junto conosco e iremos assombrar juntos.Eu os vejo como se entre nós houvesse uma vidraça muito limpa, translúcida. Alguns ainda vestem seus uniformes escolares embora já fossem adultos quando partiram.Ali vai com freqüência minha avó de riso fácil, e meu tio de olhos tristes. Meu pai estende a mão e eu tento tocá-la.Sempre acordo com os braços estendidos em direção ao assoalho como se as águas onde se esconde estivessem ali, ao lado de minha cama. Meu irmão, tenho que procurar, sempre brincando, se esconde atrás das pedras limosas e se confunde com elas. Não conto a ninguém sobre essas visões, pois sei que se o fizesse elas se desfariam como bolhas de água soltas ao vento. É o meu segredo e ele me ajuda a suportar a aridez desta vida. /