Gênesis, por um desgraçado
Às margens de um pequeno lago esquecido,
um velho deus com longos cabelos grisalhos e revoltos,
deitado com certo desleixo na grama alta
e as pernas mergulhadas na água morna,
ouviu ao longe a minha voz suplicante,
então, cheio de preguiça,
abriu os seus olhos profundos
e criou os cigarros
e o café.
Depois, entre bocejos e sorrisos
criou também as ruivas,
para que o meu inerte coração batesse em completo descompasso.
Pensativo e com pena do que seria a minha futura sina,
criou o vinho,
doce,
cruel,
salvador,
vermelho
como os cabelos delas
e criou também a noite,
para que eu pudesse lamentar por amá-las
além do necessário.
Foi quando a primeira gota de chuva caiu
fria, naquele misterioso rosto etéreo
e vendo com satisfação tudo o que havia criado,
o deus voltou ao seu dourado altar pagão,
onde repousará durante séculos incontáveis.
Ele ainda dorme lá, cercado por belezas sem nome.
Eu estou só, em meio ao escuro dessa noite que já estava destinada a acontecer.
A chuva sabe disso,
é por isso mesmo que está caindo
mais forte agora.
A minha ruiva foi embora de vez e o vinho acabou, cara.
Contei apenas três cigarros na carteira.
Peço calma a mim mesmo
e repito mentalmente, numa espécie de mantra desesperado,
que essa
será apenas mais uma
longa madrugada.