Desenhos de beira d'água
Quando eu era menina, guardava os risos do rio na barriga. Acho um jeito bonito de contar das danadezas entre irmãs. Eu, a menor do bando. Era uma escadinha bonita! Quatro molecas levadas. Doze, dez, seis e quatro… com uma margem pra mais ou pra menos! Pouco consigo separar o que sejam memórias guardadas por mim ou compartilhadas pelas irmãs. Sei, no entanto, e sem margem para dúvidas, que havia um quinto elemento no bando. Quinta, quero dizer! Porque era coisa feminina, e só aparecia para mim, acho! Já já falo dela! Nesse exato momento, estou à beira d’outro rio. Tão menor que aquele! E talvez tão maior ou igual, apenas olhado por retinas esticadas para a vida adulta.
Dou começo a um ritual de chamamento e espera, chamamento e espera… O rio da infância era uma espécie de bobo alegre. Daí a rapidez com que a barriga crescia cada vez que Ana e Gil me atiravam n’água depois de fazerem balanço de meu corpo. O riso-corrente sorrateiro aproveitava o momento para me entrar garganta abaixo. Eu tossia, vermelha e sem ar, mas alimentada com aquela alegria… Liquefeita! Hoje, acho dificuldade para me afogar em risos… Por isso espero. Por isso invoco. Volto à quinta criatura porque ela me emprestava olhos de achar coisas incríveis! Víamos as bolhas de cristal no melado, enquanto ele era guardado no vidro; a casa do cachorro Totó, debaixo da nossa, e tão mais cheia de vida porque o vento passava correndo de um lado ao outro através da tela; a língua de fogo na fogueira do quintal cantando cantigas pra onça não vir; os detalhes de cada Mirabel com formas geométricas e os furos lembrando olhos; as brincadeiras com Juliana, onde as bolachas falavam e imploravam pela vida, e nós as comíamos chorando pelo remorso da própria imaginação; as casas dos botões da camisa do avô, que pareciam sorrir quando olhadas de cabeça pra baixo, enquanto brincávamos de serra-serra-serrador; os brinquedos achados depois das chuvas, e que eu acreditava terem caído do céu: uma tampa de rádio a pilha e uma pilha grande Rayovac, os que mais me lembro, porque passei dias imaginando que o rádio pudesse também descer com a próxima chuva. Continuo meu ritual de espera. O rio, ainda não sorri. Era tão mais fácil! E veja que tem céu limpo! E veja que as estrelas brilham! Quero quase fazer uma oração, mas, o rio, nada de sorrir! E veja que tem fogueira! Mas sem cantiga de espanta-onça. A beira daquele rio, a quinta criatura só me deixava quando o medo tomava conta, quando a cabeça enchia de preocupações com o barulho da motossera derrubando a mata. Eu nem nunca tinha visto uma! Só pelo barulho, sabia ser monstro grande. Era o momento de correr para o esconderijo debaixo da cama. Tapar os ouvidos com as mãos. A beira desse rio, a criatura quase não vem. Tenho dificuldade em achar o riso do rio. O bando esparramou. Acostumei-me com o barulho da motossera, e tem Covid. Tenho medo de acostumar também.