Pelas vielas da vida
Andando pelas veias da cidade cruzo com muitas células que se entrelaçam num harmonioso fluxo sanguíneo chamado vida, cada uma delas é um destino na roleta do tempo interligada a mim de maneira desconhecida pelo meu humilde intelecto. Todo aquele que esbarra em meu caminho eu reverencio em silêncio, pois, mesmo sem dizer uma palavra nossos olhares se comunicam no átimo de um instante.
Em meio ao fluxo sinto-me alheio, não por distinção, mas alheio a mim mesmo, ao que chamo de "eu". Deixo-me guiar pelas pernas que caminham pra lugar nenhum, nenhuma preferência me vêm à consciência, sigo o vento, os cheiros, perfumes.
Ah, os perfumes! Reviram-me a alma ao avesso; perfumes que nunca senti despertam mundos oníricos que nunca visitei; outros, conhecidos, mas esquecidos, fazem abrir as pálpebras sonolentas da memória, e então surge-me todo um universo de sentimentos vívidos que foram mas continuam aqui.
Sinto um perfume que, em particular, fere-me ao reviver não sei qual universo esquecido. Ouço, sem ouvir, um sentimento triste e bonito como a morte que embrulha no coração uma angústia serena e prazerosa como o orvalho pela manhã. Uma nostalgia de algum tempo que ainda não vi enche-me de ansiedade e ausência. Quero chorar, mas não consigo. Então choro um olhar sem lágrimas, que desliza pela rua sem chão da alma como quem procura alguma coisa sem saber o que é.
Como numa transmutação alquímica sinto o cheiro de shampoo de uma garotinha que despertou-me daquele sonho melancólico, sou agora todo infância, sentimento de ternura e inocência. Sorrio. Suspiro. Uma leve tristeza empoça nas beiradas dos olhos um desejo insano e absurdo; é tanto sentimento que tenho vontade de tragar num só trago todo o universo.
Suspiro. Sorrio como quem chora. Amo a vida. Mas ela transborda, excede meus limites. Quero morrer, perder as barreiras, mas não a morte que acaba, mas aquela que transmuta. Contraditório? Pois seja. Quero ser nada para ser tudo.