VINTE E QUATRO DE ABRIL

VINTE E QUATRO DE ABRIL

Depois de tanto dizer sim, eu disse não.

Não disse nada. Não disse. Nada disse.

Eu fiquei em silêncio diante das palavras.

Eu, que sempre tinha tanto a dizer, me calei.

Fiz o que tinha de fazer.

É curioso, mas fazendo o que o outro queria, o outro não me quis mais. Péssimo escravo que sou...

Eu não quero servir para tudo.

Eu não quero servir para nada.

Querer que o escravo, além de suportar seu jugo, ame o seu amo e sua condição

já é pedir demais, não julgais?

Posso até aceitar o trabalho forçado; o ganho subtraído; o lucro exorbitante...

Podem até tirar de mim o sangue,

mas não terão meu coração.

Não. Não meu sorriso. Não minha admiração.

Se acaso me fitarem os olhos, verão apenas revolta, não amor.

Os tiranos mandam, mas não são amados. Se não os destronamos, é por sabermos próxima a sua queda.

Eles são como frutas podres, caem por si!

Penso que até a água, adquirida pelos meios que sei d'eles, torna-se-lhes salobra à boca. A comida, insossa: -- "Midas, come o ouro que tocas!"

Os senhores d'este mundo desconhecem, mas, em face da miséria da nação, sua riqueza é escandalosa.

Temem homens como eu, sombras na noite, porque sabem intoleráveis suas vantagens. Sabem artificiais suas relações. Uma bolha seu mundinho. Tudo falso, falso, falso.

Posso até ser escravo. Posso até obedecer o senhor e a sinhazinha. Amá-los, jamais.

No dia da minha liberdade, sairei pela porta seminu como um mendigo, mas mais feliz na miséria que os ricos em sua fidalguia estúpida e presumida.

No dia de hoje, reste ao menos a esperança de em breve não os servir nunca mais.

Betim - 2020