O livro.
Aquele livro...
Amarelado, oxidado, desbotado, desmanchando, fungado.
Cada folheação é mais pó, em pouco tempo será pó.
Para que perder tempo com ele?
Para que preserva-lo?
Livro inútil, a última quimera, insignificante,
Sombra de um autor que jaz morto,
Livro quase morto, sobreviverá ao pó?
As traças, as brocas às vezes desenham obras de arte
(Não critiquem os artistas,
Sinto até inveja de quem participa de tal banquete).
Manuscrito? Documento? Papiro?
Pergaminho? Iluminuras? Incunábulo?
Em latim? Grego? Alemão?
É realmente um livro? O que é um livro?
Há quem decrete o fim do livro,
Mas o que é realmente um livro?
Triste sina a minha que quando iniciei lendo:
Amor de perdição de Camilo Castelo Branco
Sabia muito bem o que era, hoje já não sei,
São tantas as dúvidas que passei.
Existe um livro meu aqui em casa,
Do ano 1941, de Augusto dos anjos:
Estado de conservação em frangalhos
Capa solta e desbotada, folhas soltas...
Já não está na sua melhor idade, resto de livro.
Mas é o livro que mais gosto, suas folhas transcendem
Estão gravadas em minha mente, faz parte de mim
Não sei o que é o livro, talvez eu seja um livro.
Talvez seja fácil de definir
E eu esteja louco, se for o caso,
Não faça caso,
Me interne na casa Verdade de Machado de Assis.
Se não, fugirei com meu cachorro Quincas Borba
Para Pasárgada e lá o livro será minha Bandeira.
Custoso trabalho de delicadamente com uma trincha
Fazer carinho nas suas folhas, tirando-lhe a poeira,
Faze-lo uma caixa e vesti-lo com cuidado
como se estivesse colocando uma roupa num filho,
E com um barbante de algodão cru enlaça-lo
e fazer um laço como se fosse um presente.
Restaurar um livro, isso sim é maravilhoso:
Se desmonta o livro folha por folha,
Folha por folha se tenta neutralizar o PH.
Sem esquecer a reversibilidade, com polpa de celulose
Se preenche os buracos ou partes que estiverem faltando,
Tentando chegar o mais próximo do documento original.
Remonta-se costurando-o folha por Folha.
Trabalho chato o de descreve-lo:
Quem escreveu? Publicou? Vendeu? Comprou?
Por quantas mãos passou? Quantos já o leram?
Qual assunto? Quantos fólios?
O estado de conservação?
O que é aquele rabisco manuscrito a lápis, a caneta?
De quem é aquele ex-libris?
Queria colar meu ex-libris.
Trabalho chato
para uma pessoa que não é curiosa.
(Continua). (E. P. Coutinho).