Os Dias Ansiosos

Os dias ansiosos chegam

Como a chuva, o vento, a noite

Trazem contigo seu queridos

Os dias ansiosos voltam

Se é que um dia realmente foram

Mas deixam para trás as madrugadas insones

Se é que um dia fui grata á eles

Lhes devo páginas de sentimentos gritados

E que por serem gritados ninguém traduziu.

Também lhes dedico minhas histórias vividas

Histórias fictícias prontas para serem vividas

Por viventes sem interesse de saberem do início

Eu convido sempre com seus queridos

O medo, a insegurança, a desconfiança

Como sempre os reconheço, eu, uma criança tola com tolos papos tão inúteis em sua intenção de arranjar companhia

Eu, uma jovem enojada de qualquer aproximação romântica-passional, o que se este fosse um laudo psicológico poderíamos definir em trauma

Eu, essa adulta preguiçosa e agitada buscando reviver em cada facho de lembrança os anos em que a única preocupação era com as novelas do dia seguinte

(Retornarei ás novelas mais tarde, um retorno dedicado aos lobos)

Eu. Ela. A persona que me encara e na qual me encaro quando o sono me devora

Ela, que me olha com reprovação e que me ensina á olhar com reprovação toda vez que me sinto diminuir

Ela, o papel mais difícil á interpretar

O personagem mais complexo que criei

Que diretor(a) algum poderá me orientar

Hoje, eu serei minha própria diretora

Comecei mal

Esqueço de arrumar a cama

Digo bom dia á tarde

Corro pelos corredores

Esqueço as tarefas de casa

Ouço a música trezentas vezes

Voltei ás trilhas de aberturas

Acumulo roupas usadas (por outros, nunca por mim)

Tudo o que adquiro deixa de me pertencer, torna-se deles, minhas pobres criações

Deixo de passar á limpo os textos

Durmo e sonho com a loucura

Acordo sem despertar completa

Por fim, jogo-me contra os móveis

Nem meu corpo posso orientar

Que raios de diretora eu sou?

Os dias sempre deixam boas memórias depois que se vão

O ditado popular que não reproduzirei, mas dá o sentido

Com essa esperança continuo, e em respeito ás minhas versões do passado que por isso passaram e que no fim foram recompensadas com uma agridoce sensação

Porém

Desta vez é diferente

O bazar fechou

A livraria fechou

A sorveteria fechou

Tudo fechou

Impossibilitada de saciar meus instintos consumistas, intelectuais e alimentícios, imagino-me na pele de cada animal morto nos filmes

Porque os animais sempre são os primeiros á morrerem nos filmes

Para alertar aos humanos

Até nisto somos covardes.

Pena que á dias não consigo ver um filme inteiro

Nem ler

Nem escrever

Nem conversar, discutir, nada!

Minha paciência desapareceu, e restou apenas o tempo livre em seu lugar.

Ainda sonho, ás vezes

Tenho sonhado muito nestes dias

Sonhos com palcos e choro

O choro dos outros, nunca os meus

Minhas lágrimas estão presas nos meus olhos enquanto eles expressam sua extrema raiva e decepção por sua dona

Sinto que um dia irei me destruir

Com facas, espadas, remédios ou me atirando do céu á água

Porém fujo, fujo com todas as forças!

Não posso terminar assim

Não posso terminar agora!

Tenho tantos roteiros á escrever!

Também não posso enlouquecer, preciso da minha sanidade em nome de minha imagem

Pelos mesmos motivos devo me afastar das bebidas

Mesmo com todos em minha volta bebendo, como se não houvesse outra forma de sermos felizes e satisfeitos...

Começo á pensar que estão certos

O problema é que a bebida liberará meus segredos, e eles me enterrarão de vez

Segredos bobos, quase infantis, mas que destruirão minha persona adulta e de quebra provocarão risos

Ultima coisa que eu preciso neste instante

Por enquanto, melhor que eu fique apenas com essas linhas.

Quando deixei que me dominassem?

Sim, estou falando dos dias ansiosos

Quando deixei que me tranqüilizassem enquanto me agarravam como naquela poesia?

(Sim! Aquela poesia! A que vi á três anos e não guardei nome, trecho, autor, só a sensação! A mesma que passei para uma peça como forma de registrar o impacto que ela teve sobre minha pessoa!)

Quando parei de surtar e me acostumei com a atual e surreal situação em que nos encontramos?

Quando foi, hein? Que deixei de entregar o primeiro trabalho e com essa atitude afirmei que tudo bem deixar de entregar trabalhos?

Sim... Minha organização foi para o ralo, e nem tudo anda bem.

Porém me devolva o direito ao surto!

Vejo documentários artísticos, com artistas narrando artisticamente suas melancólicas ideias enquanto as comparam com as de grandes pintores

Para estar jogando as minhas neste papel, em forma de poesia, sinal que eu os superei em algum nível

Verdade?

Diferença alguma faz.

E neste ritmo, paro de falar aos dias e conto como eles me mudaram

Um processo de mutação constante, que afasta a atriz escondida atrás das cortinas da dramaturga cínica pronta para soltar mais uma doce patada no seu mestre

E que foge do outro mestre

E conversa natural e amigavelmente com os outros quatro

Êh, lobos, até aqui vocês tem que vir me cobrar?

Cuidado apenas para não o fazerem demais

Há uma rival o fazendo melhor, muito melhor.

Eis que os dias ansiosos chegam

Pegaram-me despreparada

Não pude me esconder na ficção

Podem entrar os plantões

Os mesmos com a musiquinha famosa

Tão tétrica quanto estúpida

Houve dela me trazer os dias

Ou eu que fui atrás

Na época em que tudo ia melhor que agora

Hoje eu me anestesiei

Perceberam isso, trocaram a vinheta e a música!

A nova é só com uns ouriços estranhos sobre o mundo

Os mesmos ouriços que me prendem em casa

E me provocam nova ansiedade

Eu avisei que os dias viriam.

Abandonei as rimas e convenções

Estou prestes á matar a eu de antes

(Se é que ela está viva)

Levo-a por um passeio onírico á nossa infância

Reabro a padaria, entramos

Peço um chocolate, ela prefere um suco

Alguém pode ligar a TV?

Ligam.

A novela. A mesma de antes.

Ela assiste como se fosse a terceira maravilha do mundo.

Realmente, era.

Eu viro o rosto e atravesso o vidro

Lá está: o início do fim

Minhas ambições, reunidas num único lugar

E lá estão os lobos, os mesmos que se transformam

E pelos quais me transformo

Seis pessoas, seis faces de uma mesma pessoa

Ou seriam seis papéis?

Ouso, e os transformo em papéis

Papéis de TV,

(Outra vez a TV, para que pensar tanto em TV?

Os folhetins que mal assisto, para que invoca-los?

Passado, volte agora á seu lugar!)

Eles se tornam personagens de folhetins,

Alguns com carinho

Outros, com um leve gosto de vingança

Vingança leve e amigável, claro.

Lá no fundo tem um lobo-vidente, o qual não posso afugentar

Ele sabe que eu minto

Mas continua ali

Esperando que eu me desmonte ou me afogue no meu próprio reflexo

Á este lobo, só posso me desculpar

(Inverti todos os seus ensinamentos, e os atirei na lixeira

Mas você espera que eu vá lá e os resgate, espera?

Que eu volte á ser essa garotinha solitária de doze anos bebendo suco e se distraindo com uma ficção da qual ela nem irá lembrar, mas cuja experiência de tomar um suco na padaria enquanto vê novelas velhas ela irá levar para sempre? Até se tornar eu?

Guarde sua resposta para depois.

E me perdoe pelas faltas, que foram propositais.)

Os encaro, eles sabem que não irei cumprimenta-los.

Tenho coisas melhores á fazer.

A eu de treze anos se orgulha,

Porém meus treze anos foram péssimos, perdem apenas para o passado!

Ela está orgulhosa, e eu também

Ah!

Sinto o cutucão da pré-adolescente

Seu suco acabou

Ela não faz a menor idéia de quem seja a mulher ao seu lado

Nem eu, menina, nem eu...